quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um chá vespertino

Lady Sé e Lord Dan faziam quarenta e cinco anos de casados naquele dia. Abadonaram o chá vespertino, habitual, na varanda de casa para aproveitarem a tarde com um passeio pelas pequenas ruas do centro de Londres. Poderiam pegar um trem ou um táxi, mas preferiram uma volta de ônibus para reverem lugares que não viam há muito tempo. Pegaram a linha H14 que os levaria ao centro para o Café Francês. Dia de comemoração, gostavam de fazer coisas diferentes.

O ônibus ainda estava vazio, apenas com um pai e seu filho que brincava pelo corredor do veículo. Acharam graça naquela criança bochechuda a perguntar tudo ao pai e a sentar em todas as poltronas, a observar todos os cartazes, a brincar naquele espaço aparentemente pequeno, mas que se transformava num mundo, uma nave, num navio, só dependia da imaginação infantil.

No quarto ponto entrou Dona Gorda, uma mulher interessantíssima que adorava quando a chamavam por este apelido. Seu nome era Lady Fatma, mas pelo seu corpo robusto os amigos começaram a chamá-la de Lady Fat. Era uma mulher alegre, carinhosa. Estava voltando de sua aula de natação e esquecera a toca na cabeça molhada. Estava uma figura realmente engraçada. Aposentada da repartição pública, trabalho que executara com prazer após passar em concurso, viveu uma vida sem muita novidade além da morte prematura do marido na Segunda Guerra. Criou sozinha seus três filhos, dois gêmeos, numa vida simples e farta. Dona Gorda era viciada nas guloseimas que a colega de trabalho levava para vender escondido na repartição. Ela já subiu no ônibus com o sorriso largo contando ao casal sobre o "tique nervoso" da professora de natação e gargalhava como raramente se via aquelas pessoas fazerem. Dona Gorda era feliz. Contou ainda que achava estranho depois da aula o salva-vidas permanecer na sua função mesmo com a piscina vazia. Que vida ele guardava ali?

Não durou mais do que dez minutos e Dona Gorda se despedia, acenando com as mãos para o casal que continuava a viagem. Ela estava indo a loja de doces comprar coisinhas para a festa de aniversário do neto que completaria sete anos. Festa simples, mas tem que fartura. Insistiu em dizer antes de descer do ônibus. Na descida não percebeu que o menino que brincava saiu correndo pela porta deixando o pai desesperado. O ônibus seguiu antes que o homem conseguisse descer para seguir o filho que corria pelas ruas estreitas do centro daquela imensa cidade. O pai desceu no outro ponto com as mãos na cabeça, correndo em direção a rua que o filho se perdera. Lady Sé e Lord Dan sentiram uma tristeza imensa ao verem o pai de cabeça baixa, arriando na calçada, sem saber o que fazer além de chorar.

O casal que havia perdido dois filhos em abortos espontâneos no início do casamento, sempre agradeceu a vida por não ter insistido em dar-lhes uma continuação. Desceram no ponto seguinte, pegaram um táxi  de volta para casa e se alegraram por mais uma vez tomar um chá na varanda de casa acompanhados, cada um, por seu amor.

5 comentários:

Anônimo disse...

Esse merece uma sequência Edu. Me fez sentir saudade da Wilson.

Gerana Damulakis disse...

Muito bacana, 45 anos de amor, uma história longa.

Bernardo Guimarães disse...

lindo! lindo!

Jurandy Boa Morte disse...

Só se perde o que se tem...

Jurandy Boa Morte disse...

Só se perde o que se tem...