sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O corpo perturbador

Foto de Alessandra Nohvais

Revistas de moda e beleza – sentado sobre estas revistas um corpo invisível vê-se em postais da cidade. Imagina-se! Pensa na sinuosidade e pensando em curvas sabe-se sedutor. A curva dos quadris, das cinturas e seios de tantas Gabrielas que passam por ele e das bundas de outros tantos Vadinhos.
Sua sinuosidade é outra, é para outros desejos. As curvas de sua coluna em S atraem outra platéia e incita um outro olhar. Sabe-se sedutor.
O devotee deseja suas pernas, suas costas, seus pés pequenos, suas próteses. O devotee devota.
No lugar da brejeirice das ancas fartas, uns invisíveis se acomodam em jornais e deitam e sonham com a vida de revista.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A morte e os impostos

Eu havia me prometido não comentar mais a respeito dos problemas com a Assessoria Internacional da SECULT, mas quem engole sapo é outro e não eu. Todos acompanharam a confusão da liberação do meu cachê para a viagem a França, a enrolação, a desorganização. Escrevi ao Sr. Secretário para ele ter cuidado com seus assessores, tive um retorno carinhoso dele, enfim... viajei, apresentei e voltei. Voltando sabia que o cachê já havia saído, como acredito que o que acertamos é o que será cumprido, porque cumpro com o que me comprometo, não me preocupei em verificar a quantia depositada. Quando chegou a fatura do banco, vejo que me tiraram mais de 800 reais, liguei para saber o que houve, quando a funcionária de tal orgão me responde que havia sido descontado imposto por um cálculo errado, ao invés de calcularem pelo líquido, calcularam pelo bruto. E aí? a resposta é a melhor possível:

"quando a gente nasce sabe que vai morrer e pagar imposto". Fim de papo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Wilson Semanal - 3º capítulo

"Eu bem falei que esse negócio de internet não presta", repetia Dona Deda falando ao telefone com a irmã Dêga, aquela baiana que vende bolinhos de carimã com mingau de tapioca na feirinha de quinta-feira da Herculano de Freitas. Elas são tias de Wilson.
"Eu to retada ca cara dela!" continuava Dona Deda já carregada no sotaque paulista.

Wilson havia chegado de viagem triste e com sangue nos olhos de vingança pela péssima despedida das férias. Havia recebido uma mensagem de voz com um coral cantando uma versão da música I will survive:

Ai Wilson vai
Porque aqui
Você causou bagaça demais
Por favor não volte mais
Deixe minha Bahia em paz
Wilson vai
Wilson vaaaaiiiii
Wilson vaaaaiiiiiiiii

Aquilo transformaria a pequena menina num poço de ressentimento e ela não fez outra coisa senão passar as 36 horas dentro do ônibus pensando de que maneira limparia sua barra, nem que para isso sujasse a dos outros.

Quem a buscou na rodoviária foi a taxista Gôga. Mulherão de tirar o chapéu e a pochete, chofer de táxi, sofrida por tantos dissabores amorosos, mas aventureira na paixão, viciada em água gelada. "Água gelada me acalma por dentro", repetia sempre que tirava do isopor seu copo plástico e a garrafinha térmica com gelo dentro, com aquela voz rouca de quem fuma 3 maços de cigarro por dia.

A louca havia tido uma experiência longa com uma japonesa que conheceu pela internet e que causou o maior estrago em seu coração. Agora refeita do baque, Gôga inventou de se apaixonar pelo cliente modelo que é gay.

"Ai Gôga, assim você me acaba, fia!", Wilson disse num final de soluço, depois de escutar a confissão da amiga que não deu espaço para ela contar a tragédia de sua viagem a Bahia.

Gôga sempre se aventurava em paixões proibidas e difíceis. Morava sozinha, mas a casa vivia cheia de amigos que ajudavam nas despesas mensais. Gôga havia crescido por ela mesma, sem ajuda de família ou de terceiros. Tirou a carteira de motorista muito nova num trambique com um casinho do DETRAN, comprou a longas prestações seu carrinho e começou a fazer praça porque nunca foi esforçada nos estudos, embora tivesse o sonho de ser PEDAGOGA. Lutou, caiu muitas vezes, mas se esgueu com maestria. O problema dela eram os envolvimentos emocionais, aiiiiii..... isso só cabe em outros capítulos. Por agora, Gôga deixa nosso desolado e irado Wilson no portão da vilinha sob o olhar de desprezo da tia Deda.
"Tia, me dá um abraço!"

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Um avanço a comemorar

Criei este blog há dois anos com o intuito de gritar coisas que me faziam sofrer. Lembro que os primeiros posts tinham um tom briguento, quase passeata de MST contra a discriminação, o preconceito e a falta de respeito com os deficientes. Acredito que falando de casos pessoais estou dando uma mostra do coletivo. Não me acho no direito de falar por uma classe, de colocar palavras na boca de outros.

Hoje eu estou muito feliz ao ver o resultado dos projetos habilitados no edital de circulação de dança promovido pela FUNCEB. Existem 4 (quatro) projetos, da chamada Dança Inclusiva, selecionados. Os projetos são: Judite quer chorar, mas não consegue! criado por este que vos fala, Os 3 Audíveis... Ana, Judite e Priscila do Grupo X de Improvisação em Dança, O Malandro do grupo da APAE e Dança de Ninfa proposto dor Deo Carvalho que trabalha com Ninfa Cunha.

Não sei se é exagero de minha parte, mas acredito estarmos vivendo um momento histórico e importante para a militância do movimento da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Não entrarei no mérito dessa briga agora, porque tenho várias críticas e questões a refletir sobre tal movimento, mas tenho certeza que é extremamente importante saber que 1/4 dos projetos inscritos e habilitados num edital de dança (saliento que não é um edital específico para dança inclusiva) são produções feitas por e com pessoas com deficiência. Quando e onde víamos esta abertura para tais projetos? É verdade que fomos nos profissionalizando, desenvolvendo pesquisas mais concisas, o mercado de trabalho para o dançarino com deficiência teve uma abertura maior, mas ainda vivemos no gueto, raramente um evento que não seja específico para Dança Inclusiva acolha projetos com deficientes e acabamos falando para nós mesmos.

Espero que todos os projetos estejam bem escritos, com propostas a nível de competição com os outros, para que possamos ser aprovados e circular por essa Bahia desenvolvendo nosso trabalho e dando oportunidade as pessoas de irem quebrando aos poucos os paradigmas em torno da deficiência e da arte produzida por artistas defs.

O primeiro passo já foi dado,passamos pela primeira rampa. Que a deusa Dança nos abençoe!

domingo, 24 de janeiro de 2010

Extremos

Pela segunda vez sinto-me grávida, talvez porque só agora aceito a realidade de estar só e precisando de companhia. Então estou grávida de solidão. O mais incrível é que há exatamente nove meses que transei e agora que seria a hora de expulsar o feto é justamente o tempo que o fecundei. Estranho... Não sou fêmea. O macho que me habita foi quem me fecundou e no tempo da expulsão, do nascimento, germinou em mim um fruto de não sei o quê. A indiferença de quem seria o pai. Do que estou grávida enfim? Solidão, indiferença? Sabe-se lá sobre gravidez de macho... Sabe-se lá sobre mim...

Queria falar-lhe sobre a dor, queria falar-lhe sobre como o vidro na areia feriu meu pé que não pisa e tirou-me o foco do mar. Nunca mais vi o mar. Nunca mais vi ninguém que me pusesse o mar. Retorno-me ao meu sonho de infância em que uma gigantesca onda parece desabar sobre mim que estagnado espero passivo a morte, mas não morria, ao contrário, acordava assustado, chorando. Nascia? Nunca saberei, já que a realidade é o que me afoga e parece matar-me.

Preciso descobrir em mim o limite dos extremos. Como agora que leio algo ruim sobre a cidade onde conheci o belo, vivi o sonho e que depois de passado o tempo de fecundação me relembra o que não vivi e sinto náuseas. Passei esse tempo vivendo a mentira como se fosse uma infinita verdade. Eu, no fundo, vivi o que passei, mas é que o sentimento tomou proporções imensas tornando-se maior do que a realidade, assim o passado transformou-se numa mentira, a partir do exagero das sensações que se acumularam como os dias nos calendários.

Só consigo viver os extremos. Não há um equilíbrio na minha fala, no meu pensamento. Até que ponto a normalidade me habita? Todas as horas dos dias faço um enorme esforço para manter a lucidez, não enlouquecer, mas como saber se isso já não ocorreu? Os loucos não têm consciência da sua insanidade. Essa constatação me amedronta ainda mais, pois se a loucura já me penetrou os outros não perceberam. Vivo afundado em loucura...


Meu Deus, mostra-me o limiar das coisas! Eu sempre descri na infinita bondade de Deus, como agora posso solicitar-lhe compaixão? Se Deus é o que penso, meu Deus então é um louco e não poderá ajudar-me nessa questão.

Está difícil concluir.

Meu filho sussurrou no meu ventre, nesse instante, um nome inaudível. Inconscientemente sei que conheço esse filho, esse pai e mais do que nunca preciso trazê-los à tona. A gravidez desse momento trouxe-me a tontura, acho que vou parir pela boca: vomitar, gritar, sei lá... Abortar antes que o germe (germe vem de germinar?) cresça em mim. Ao abortá-lo também morrerei. Ele é minha história, o reconheci num sonho que acabei de ter acordado.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O perigo é viver

O que seria uma boa mentira?

Uma estória bem contada talvez seja aquela que o autor torna verídico o seu ponto de vista. Estamos acostumados a maniqueismos de novelas de tv. Na vida real não existe o totalmente bom e o totalmente mau, o completamente certo e o completamente errado. Wilson não soube ser sincero e ocultou verdades para se proteger do seu próprio coração, das suas próprias ilusões. Esqueceu-se que quem faz a criatura é o criador. Ou será o inverso?

Eu te avisei, Wilson!

Novela boa é aquela em que acontecem mudanças de planos, inversões de papéis. Hoje o nosso mocinho virou vilão. Vilão das próprias artimanhas que criou para se safar de suas dores, mas como Clarice Lispector que se apega as suas personagens, não abandonarei Wilson. Ela também sou eu e minhas dores, meus abandonos. Ela também é aquele que a fez sofrer.

Ficção minha gente!

Vivemos amores fictícios. Ai daquele que acredita ser verdade.

Amor de verão!

Ai daquele que pensa ser para sempre. Não é tia Ivonete?

Não conseguiria dormir com este barulho que meu Wilson me causou. Não sou culpado pelas atitudes dos outros, simplesmente enchi minha estória de outros. Os outros conseguem sangrar e minha estória era apenas uma estória.

O perigo é viver!

*o próximo capítulo de Marmotas da Paixão trará uma nova protagonista. A minha Helena sofre, paga caro, mas vive com a cara arreganhada. Velerá a pena ver a transformação de Wilson em Goga.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As marmotas da paixão

Wlson veio do sul para a Bahia curtir as bem merecidas férias. Wilson não é um rapaz charmoso, morenoaltobonitoesensual. Wilson é uma menina franzina, baixinha, com olhos brilhantes de quem conhece a vida há pouco tempo. Viveu o deslumbre com o sol escaldante, os corpos quase nus, o bronze, a cervejinha gelada toda hora e a roska dobrada do bar da esquina.
Wilson se juntou com outros tantos Wilsons que andam por aqui e curtiu a vida a doidado. Curtia, mas chegava em casa chorando, olhos mareados da salgada tristeza dos amores de verão.
"Calma, meu velho, vir a Bahia e não curtir um amor assim é a mesma coisa de não ter vindo" eu dizia tentando acalmar a menina.
Lembro que eu também vivi um amor assim, um verão que se prolongou em dois longos invernos, sendo eu a cidade abandonada por um amor do sul.
A paixão bate como flash de retrato em ponto turístico a noite, mas depois apaga na mesma velocidade que aparece e precisamos entender que tudo não passa de uma viagem. Que aquele momento é eterno, mas não duradouro. Que tudo é verdadeiro e intenso, mas passa. Wilson custou a entender. Desde a primeira semana se encatava com as meninas dos bares, dos botecos, dos violões... Wilson cantou lindamente para uma delas que não quis mais conta depois da primeira noitada. "Farei uma música para você". "Não quero", respondeu a jumenta na despedida.
Eu que não sei nada da vida, repeti para Wilson: "é verão, Wilson, e o que interessa aqui é beijar na boca. No verão não existe fila para andar, corremos num arrastão".
Enfim, Wilson voltou ontem para sua cidade fria e cinza, com sorriso lindo na cara, o sol brilhando intenso no peito, agendando o retorno para o próximo Dezembro. Havia passado uma noite inesquecível com uma baixinha como ela. Apaixonada terminará a música para outra pessoa. Aquela música que o primeiro encontro recusou.

"e quem um dia irá dizer que não existe razão pras coisas feitas pelo coração
e quem um dia irá dizer que não existe razão?"
Trecho da música Eduardo e Mônica - Legião Urbana

*o título deste post é em homenagem a uma amiga querida que me deixou aqui na Bahia e voltou para minha Sumpalo cheia de amor. Nós brincamos de escrever uma novela sobre os amores de verão e o título seria esse. Quem sabe ano que vem no horário das 6h da rede Globo?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dona da casa me dê licença

Alegorias para Dona Canô

Terno de Reis tradicional que homenageou Dona Canô

Burrinha

Professora Zilda Paim

To apertado de costura, como dizem as amigas Maria e Ivonete, aliás as tias. Nem bem cheguei da França, Natal em Santo Amaro, de lá viajei para Recife, daí quase retorno direto para Santo Amaro. Refletindo sobre esse itinerário vi que retornei aos meus, ao meu chão, a mim. Retornei da melhor forma que se pode retornar, matar saudades, brincar, encontrar a felicidade em se estar dentro de si mesmo. Santo Amaro sou eu. Eu sou o que aquele chão me deu.

Mirella Matos e Tony Duarte

Este ano a festa de Reis de Dona Canô homenageou Professora Zilda, a quem eu já tive oportunidade de homenagear aqui neste humilde blog. Professora Zilda é uma das pessoas mais importantes da minha cidade e uma das que mais me impressionava e encantava desde quando eu era criança. Aos 16 anos escrevi uma poesia para ela que me confessou guardar até hoje. Comemorei como se a festa fosse para mim. Teve Burrinha, Maculelê, Mandu, Nêgo Fugido, charanga, Dona Nicinha do Samba, teve batida de Tote (uma especialidade santamarense que ninguém pode perder feita de cachaçã, mel e limão, comum não é, mas a de lá não tem igual), teve amiga porta-estandarte, teve amigo Rei, teve amiga bêbada e eu também.

Maculelê

Teve ainda a dona da festa na janela, vendo a festa passar com olhinhos brilhando, assim como os meus que agradecia a vida por ter me colocado naquela terra, ter me feito daquele lugar. E a festa foi até o sol nascer e a festa continua em mim.

Profanos, a parte me cabe


"Olhando a vida vivida
uma pergunta ficou...
Fui eu que fiz minha vida
ou fez-me a vida o que sou?"

Frase escrita em conchas num quadro na porta de Professora Zilda Paim, sem referência do autor.

Igreja de Nossa Senhora da Purificação


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ao marinheiro de lá

Foto de Edu O.


Adeus ao amor do marinheiro de lá

Sem mar, sem barco

Sem o amor que agora é meu

E sempre será

O amor de Santos

Amor de Todos

Todos os santos o protejam agora sem mim

Sem mim, onde estará?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Eu morria

Nesse dia que eu quis morrer

E eu, quase, morria

Não pude te ver

Não te sentia

Fumei um cigarro atrás do outro

Para ver se trazia teu gosto, teu cheiro

E eu não trazia

As coisas estavam amenas demais

E tudo em você é mais intenso

Em você sou mais forte

E eu não me percebia

Chorei com a possibilidade de morte

Com o etéreo, o finito da vida

Cheio de dor, sem comer, sem dormir

Eu vivia

Anulando as pernas que já são nulas

Numa rua que não era a tua

Eu me perdia

Perdi todo o brilho

Que já, há muito, te pertencia

Eu era um tipo de lua

Mas nunca mais cheia

Murcha talvez

Havia apenas um filete de luz

Um brilho distante

Eu cantava mal, meu bem!

E Gal sorria

“Eu sou uma fruta gogóia...”

Ela era tudo

E eu que já era um nada

Morria