domingo, 24 de janeiro de 2010

Extremos

Pela segunda vez sinto-me grávida, talvez porque só agora aceito a realidade de estar só e precisando de companhia. Então estou grávida de solidão. O mais incrível é que há exatamente nove meses que transei e agora que seria a hora de expulsar o feto é justamente o tempo que o fecundei. Estranho... Não sou fêmea. O macho que me habita foi quem me fecundou e no tempo da expulsão, do nascimento, germinou em mim um fruto de não sei o quê. A indiferença de quem seria o pai. Do que estou grávida enfim? Solidão, indiferença? Sabe-se lá sobre gravidez de macho... Sabe-se lá sobre mim...

Queria falar-lhe sobre a dor, queria falar-lhe sobre como o vidro na areia feriu meu pé que não pisa e tirou-me o foco do mar. Nunca mais vi o mar. Nunca mais vi ninguém que me pusesse o mar. Retorno-me ao meu sonho de infância em que uma gigantesca onda parece desabar sobre mim que estagnado espero passivo a morte, mas não morria, ao contrário, acordava assustado, chorando. Nascia? Nunca saberei, já que a realidade é o que me afoga e parece matar-me.

Preciso descobrir em mim o limite dos extremos. Como agora que leio algo ruim sobre a cidade onde conheci o belo, vivi o sonho e que depois de passado o tempo de fecundação me relembra o que não vivi e sinto náuseas. Passei esse tempo vivendo a mentira como se fosse uma infinita verdade. Eu, no fundo, vivi o que passei, mas é que o sentimento tomou proporções imensas tornando-se maior do que a realidade, assim o passado transformou-se numa mentira, a partir do exagero das sensações que se acumularam como os dias nos calendários.

Só consigo viver os extremos. Não há um equilíbrio na minha fala, no meu pensamento. Até que ponto a normalidade me habita? Todas as horas dos dias faço um enorme esforço para manter a lucidez, não enlouquecer, mas como saber se isso já não ocorreu? Os loucos não têm consciência da sua insanidade. Essa constatação me amedronta ainda mais, pois se a loucura já me penetrou os outros não perceberam. Vivo afundado em loucura...


Meu Deus, mostra-me o limiar das coisas! Eu sempre descri na infinita bondade de Deus, como agora posso solicitar-lhe compaixão? Se Deus é o que penso, meu Deus então é um louco e não poderá ajudar-me nessa questão.

Está difícil concluir.

Meu filho sussurrou no meu ventre, nesse instante, um nome inaudível. Inconscientemente sei que conheço esse filho, esse pai e mais do que nunca preciso trazê-los à tona. A gravidez desse momento trouxe-me a tontura, acho que vou parir pela boca: vomitar, gritar, sei lá... Abortar antes que o germe (germe vem de germinar?) cresça em mim. Ao abortá-lo também morrerei. Ele é minha história, o reconheci num sonho que acabei de ter acordado.

6 comentários:

Janaina Amado disse...

Edu, achei este texto muito, muito triste - e muito tocante. Incrível como você entra fundo nos seus personagens.

Gerana Damulakis disse...

Retado este texto, muito forte, doído, intenso!!!

Moniz Fiappo disse...

Formidável, forte, bonito.
Como dizia o outro: "o amor é um salto no escuro..."

Anônimo disse...

Edu, eu ando é fugindo dos extremos, ancorado ao centro. E nem assim me sinto seguro.

- Luli Facciolla - disse...

Nossa... Lá das profundezes...
Sofri!

Beijos

Andréia M. G. disse...

Difícil tarefa a de descobrir limites para extremos... Muito intenso o texto. Gostei bastante!