quinta-feira, 31 de julho de 2014

Simplesmente dor

Para não esquecer que sou água, há uma semana tenho chorado mais do que vinha chorando emocionado com trabalhos artísticos. Não que eu tenha me endurecido e não me emocione mais com coisas que assisto, mas, ultimamente, coisas me tocaram num ponto que trisca a desesperança.


O filme "Eles não Usam Black-tie" me comoveu deveras pela atualidade do seu discurso, pela beleza de suas imagens, pelas atuações, por ver a merda em que estamos atolados há tanto tempo. Soluçava como criança que espera o retorno da mãe. Outra cena que me levou às lágrimas foi o texto (e a interpretação de Fernanda Montenegro) de “O Auto da Compadecida", na cena do julgamento de João Grilo. O mundo está mesmo complicado e difícil, por isso quando vejo cenas de extrema beleza, eu choro.



Mais uma vez... Acabei de receber de uma amiga um trecho de um texto de Clarice Lispector e mais uma vez fui afetado pela beleza e pela dor. Uma dor inexplicável, simplesmente dor. E tudo por eu não estar mais distraído.


“Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos." (Clarice Lispector – livro: Para não esquecer)


terça-feira, 22 de julho de 2014

O Amargo(sa) da arte

Para chatear os imbecis
Para não ser aplaudido depois de sequências, dó de peito
Para viver a beira do abismo
Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público
Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem
Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo
Porque de outro jeito a vida não vale a pena
Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito
Porque vi "simão no deserto"
Para insultar os arrogantes e poderosos quando ficam como "cachorros dentro d'água" no escuro do cinema
Para ser lesado em meus direitos autorais


Sempre retorno a esta resposta do cineasta JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE à pergunta: POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?, musicada por Adriana Calcanhoto. Atualmente, isso vem reverberando em mim mais do que compreender por que eu faço arte, principalmente por que viver. Tenho sentido tristezas e incômodos grandes com as coisas do mundo e me pergunto se faz sentido o que penso ser importante, se vale a pena.

Semana passada, eu estava num evento sobre Educação Especial, em Amargosa. Justamente no dia que explodiu aquela revolta popular por causa da morte de uma criança por uma atitude irresponsável de policiais que invadiram uma casa atirando. 

A história é complicada, mas as razões do comportamento da população são super compreensíveis. A cidade vem de um histórico de abandono e descaso da segurança pública. Segundo moradores, há apenas 3 policiais no município e a violência crescendo constantemente. O Estado, irresponsavelmente, dá as costas aos fatos e resolve tomar providência quando a situação chega ao extremo.

Voltei muito afetado com o ocorrido, pensando na família que perdeu sua criança, pensando na cidade que também é minha, é de todos nós, pois em todos os lugares passamos pelas mesmas questões de abandono, violência, incompetência, corrupção e impunidade.

Diante de tudo isso, toda hora, a pergunta estala na minha cabeça: 

domingo, 6 de julho de 2014

Vida [nunca mais] sozinha

para Nei Lima

Havia sempre algo de dor no amor. Uma falta que não se preenchia com nenhuma língua, nenhuma pica, nenhum abraço conchinha em final de gozo. Era uma sensação de despedida até mesmo na chegada. Uma certeza de que aquilo passaria. Fumaça de cigarro em bebida quente. Mente que mentia a cada nova paixão dilacerante findada antes mesmo de terminar. Desespero em cada bar, boate, dark room. E o retorno para casa vazia.

Mas teve um dia em que aquilo não passou. O peso aliviou no peito, os olhos desanuviaram da saudade, o corpo relaxou. Tudo virou incenso, cheiro de mato, flor. Tempo esgarçado entre uma grama e outra do farol. Viagens intermináveis no papo do café na cozinha. E a certeza de que a vida nunca mais será sozinha.