sábado, 10 de agosto de 2013

Aquela gaveta

Hoje, vivi uma experiência totalmente "Odete". Para quem não lembra, "Odete, traga meus mortos" é um trabalho meu com Lucas Valentim, onde tratamos sobre o que fica em nós das experiências vividas, das pessoas que encontramos, lugares que visitamos, padrões que se repetem....

Quando eu era criança, lembro-me que havia dias em que decidia tomar banho escondido. Eram dias especiais, em que eu queria me sentir independente, autônomo, bonito. Escolhia na gaveta a roupa que eu achava mais bela (geralmente um conjunto de camiseta e bermuda amarelas), me perfumava, penteava os cabelos (ainda os tinha) e ia para a porta da rua ver a vida passando (isso aqui é coisa de Judite).

Não é que hoje eu me peguei fazendo a mesma coisa? Vesti uma camiseta nova, numa cor forte, bonita, escolhi minha melhor bermuda e chorei porque não há mais aquela porta, não há mais aquela vida.

Me debrucei na janela do prédio, observando a rua dessa cidade grande... contei nos dedos o tempo que falta para entrar novamente por aquele portão, daquela casa, que fica ainda naquela rua, que continua com aqueles amigos...

Lógico que nada parou no tempo e está à minha espera, tudo mudou, mas o que fica em nós é esse gosto salgado de lembranças coloridas como aquela gaveta.

sábado, 3 de agosto de 2013

O sal das luas seculares

Andaram tropeçando nos buracos do centro da cidade durante todo o dia. Caminhavam lentamente em silêncio, sem se tocarem. Ele, turista de primeira viagem além mar. Ela, anfitriã mostrando as ruínas de onde os outros consideram belo. Os dois eram bonitos juntos, apesar de tudo ou apesar do nada que se estabelecia ali. Não sabiam que algo já havia interrompido aquele encontro. A viagem, embora no início, já era fim. Cansados e ainda em silêncio como pedra na garganta, peso no estômago, sentaram-se na balaustrada daquele antigo convento que dava para uma exuberante vista da Baía de Todos os Santos. Pareciam duas estatuetas gregas, sei lá. Estáticos, pescoços retos, mirando o jardim..........

Ela falou quase como quem confessasse, como quem falasse a si mesma:
- Bonitas essas plantas que se penduram nas árvores, o tom desse limo que gruda nelas.
Ele também como quem conversasse sozinho e quase ao mesmo tempo:
- São parasitas.

....................................... Silêncio estrondoso .........................................................

- Se aproveitam das árvores porque só podem viver desse jeito, mas as árvores devem gostar. Não acabarão sozinhas, terão sempre alguém acompanhando com elas as luas seculares de suas existências.

Ele nem notou, mas ela já estava de costas com os olhos refletindo o sal.