sábado, 29 de novembro de 2008

Mente quieta, espinha ereta e o coração tranquilo

Foto de Danielle Coutinho

Viver é afinar o instrumento

De dentro prá fora

De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
trecho da música Serra do Luar de Walter Franco
Tem horas em que é preciso respirar
* o título é link para escutar esta oração na voz de Leila Pinheiro

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Priscila cansou de esperar na sala

Já passava da meia-noite e nada. Os dois pratos continuavam emborcados na mesa da sala de jantar cercados de talheres, guardanapos vermelhos, copos e coisas. Na sala da televisão, sempre ligada, o batom enfraquecido no canto direito da boca que baba, daquela cabeça encostada na almofada do sofá de dois lugares. Na mesa de centro torradinhas, gorgonzola, Camembert, peito de peru defumado, patês, azeitonas espetadas e ovos de codorna para alegrar a noite. No jarro ao lado um buquê de rosas enormes, vermelhas e no canto da sala uma comigo-ninguém-pode que ela trazia do quintal em ocasiões especiais e onde criava seu bichinho de estimação: a lagarta Judite. Meia-noite. Nenhum sinal da chegada dele, nenhum sinal de mensagem no celular. A maquiagem muito forte e os cílios postiços escondiam quem dormia esperando de salto agulha e vestido bem colado. Sonho já não tinha mais, já realizara tudo o que queria e o que queria era apenas um homem que a tirasse da noite e prometesse aquilo que acreditava ser um casamento. Neste caso, no máximo, duas visitas sempre no meio da semana. Nunca com horário de chegada, mas certamente com horário fixo de saída. O casamento era apenas uma ou duas chupadas rapidinhas e poucas metidas bem metidas depois, sem conversa. Era o tempo de tirar sua meia-calça, seu vestido, o sutiã preto com enchimento, pedir que calçasse novamente o sapato e o esfregasse no peito. Ele adorava sentir o peso do pé de um homem num salto alto. Priscila nasceu numa embalagem masculina, mas tinha recheio de mulher! Ele a comia por trás para não ver seu pênis e puxava seus cabelos, lindos, sempre escovados e de cor de mel. Gabava-se de ser a única da época da boate que não pintava o cabelo, acreditava que assim era mais natural, mais verdadeira. BIP. BIP. Ela acorda limpando a baba com o canto da mão e vê o polegar esquerdo sem a unha postiça, perdida entre as almofadas. “O carro quebrou. Amanhã jantaremos novamente”. A desculpa era sempre diferente, mas a falta constantemente igual. Priscila, proibida de ter amigas, espera aquele homem que não deixa seus filhos, nem esposa para dar-lhe o mínimo que precisa. Ela se consola com os queijos, vinhos tintos, maquiagens e a casa que ele montou para seus encontros furtivos, para seus poucos momentos de prazer. Tem poucas alegrias, Priscila. Encontrar a florista Ana é uma delas, porque a mulher escolhe as mais belas rosas para seu buquê e diz que a freguesa está sempre linda naquela manhã. Tira o sapato, pega o buquê, sobe para o quarto descabelada, sem chorar. Já estava acostumada a esperar na sala. Deita-se na cama sem roupa, masturba-se segurando o arranjo de flor, pensando na rosa do seu amado. O pênis esporra um leite que gostaria que fosse do outro. Dorme. Luz de abajur clareando aquele corpo de homem, de desejo, ornado com uma rosa na cabeça.
* Este título foi criado por Fafá Daltro para uma personagem do espetáculo "Os 3 Audíveis -Ana, Judite e Priscila" do Grupo X de Improvisação em Dança. Criei a estória a partir das idéias sobre a personagem.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Amparado


gosto de pudim e cheiro de saudade...


lembranças de meu avô, que é minha referência masculina. Ainda hoje sinto seu cheiro, os sabores de sua casa, a sensação da janela... ahhhh aquela janela!!! Lá compreendi o mundo de fora, me socializava, via o além. Até hoje me debruço sobre as janelas e é como se estivesse na Rua Amparo, como se estivesse amparado por meu avô.
* parte de um email trocado com meu amado Wagner Schwartz
** falta grave: não sei quem fez essa foto da Rua do Amparo-Santo Amaro (rua de meu avô)

Asas

Foto de Célia Aguiar. Judite tentando voar!


Deus disse ao homem:
- Tu terá duas pernas e não voarás, ainda assim sentir-se-á o dono do mundo!
a mim Deus deu duas pernas e asas para voar.
* toda vez que falo em Deus faço questão de dizer que não acredito nele. Por que será que falo nele?
Asas
(Adriana Calcanhoto/Péricles Cavalcante)
SUAS ASAS
AMOR
QUEM DEU FUI EU
PARA VER
VOCÊ CONQUISTAR O CÉU.
OBSERVE TUDO EMBAIXO SER
MENOR DO QUE
VOCÊ,
COMO TUDO É,
E ENQUANTO ARDE A CORAGEM DOS DESEJOS SEUS,
SEM VÉUS,[PROTEUS]
ABRA SEUS POROS E PAPILAS E PUPILAS
À LUZ DA MANHÃ
E MUITO ACIMA DE IPANEMA TÃO PEQUENA
TÃO VÃ
VIVA O PRAZER
O SOM
O ESTRONDO DE UMA ONDA
NA ARREBENTAÇÃO
ENQUANTO EU PIRO Á SUA ESPERA NA ESFERA
DO CHÃO.
** clicando no título ouve-se Adriana cantar essa música linda

domingo, 23 de novembro de 2008

A bonança

Hoje chegou a Salvador Gilles Pastor, diretor de teatro, francês, da companhia Kastor Agile, que me convidou para participar de seu espetáculo Tempête 14º Sud, inspirado n'A Tempestade de Shakespeare, mesclando com elementos do Candomblé. É um projeto que integrará a programação do Ano da França no Brasil e estreará em Junho do próximo ano. Agora é a primeira etapa, talvez a mais complicada porque é o momento de nos conhecermos.

Estou curiosíssimo para saber o resultado dessa mistura que me parece bastante interessante. Gilles chegou com sua equipe e todos são muito simpáticos e gentis. Acredito que o trabalho será muito prazeroso, porque o olhar de Gilles é muito bom. Confio nas pessoas com o olhar dele.

Para mim é uma oportunidade incrível. Ele viu Judite na temporada do Vila Velha ano passado e daí fez o projeto e pensou em mim. Estava aqui pesquisando o transe no Candomblé. Pessoalmente, fico muito feliz porque acaba sendo um reconhecimento ao meu trabalho e como Judite é "crescente", como me acrescentou tanta coisa. Um projeto que a princípio era para 30 pessoas, já foi visto por mais de 2500 e ainda continua emocionando tanta gente e a mim. Com lançamento de livro previsto para Junho também e tudo indica que será em Curitiba. Estou me sentindo!!!!! (Maria se programe para ir comigo)

Em 2008 estou comemorando 10 anos junto aos deuses da dança e recebo um convite como o da Tempestade como um presente, é verdadeiramente a bonança junto à tempestade. Já tenho várias coisas agendadas para 2009 e às vezes, fico sem acreditar: um aleijado em cena, lidando com a arte mais corporal. É um lindo paradoxo! Adoro rompê-los.

* clicando no título entra-se no site da companhia

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Gracias a la vida





Gracias a la vida
Que me ha dado tanto,
Me ha dado la risa
Y me ha dado el llanto,
Así yo distingo dicha
De quebrantos,
Los dos materiales
Que forman mi canto
Y el canto de todos
Que es mi propio canto.

Violeta Parra


Dia 30/11 no TCA vendo Mercedes Sosa e voltarei para casa transformado, tenho certeza. Clicando no título do post, ouve-se a lindeza de Mercedes.
Fotos:
Alessandra Nohvais
- Os 3 Audíveis - Ana, Judite e Priscila (espetáculo do grupo X de Improvisação em Dança vencedor do prêmio FUNARTE Klauss Vianna de Dança 2007 e recém selecionado pela Caixa Cultural para apresentações em Curitiba em Junho de 2009)
- Judite quer chorar, mas não consegue! (espetáculo solo, vencedor do Edital Quarta que Dança 2007 da FUNCEB e que me fez viajar muito por aí. Ontem terminamos a mais linda temporada de Ju no Museu Rodin)
Maíra Soares
- Joy lab Research (espetáculo do coreógrafo americano Alito Alessi, no SESC Santana - SP)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Meu bloco

Fantasia Marriete Menezes vencedora do carnaval 2006
(com Pá, Fau, Zupa, Pri e Mário)


Pensei que hoje voltaria ao trabalho. Dormi com a expectativa do reencontro com os alunos, colegas, da curiosidade pelo espaço novo e desconhecido, da ansiedade em rever meus meninos e saber como estão. Uns casaram, outros tiveram outros filhos, os pequenos devem ter crescido e alguns não participam mais do projeto. Seria um recomeço!
Esperei, esperei, esperei....

Pensei, pensei, pensei....

Tive outra relação com a espera. Menos agonia e mais reflexão. Me vieram tantas imagens!

Imaginei as relações de amizade como um bloco de carnaval. Estamos todos próximos, uma só massa, às vezes nos desprendemos de um amigo porque o fluxo nos leva e segue quem está mais antenado, não pára para amarrar sapatos. Outras vezes estamos ligados a outro pela corda e mesmo distantes temos esta relação, esta certeza de que o outro está ali. Alguns se perdem na multidão e restam as lembranças da melhor coisa da vida que é a amizade. A pior imagem que tive foi dos amigos mascarados, esses que quando tiram a fantasia não sobra nada além da ilusão, é uma face desconhecida, é uma verdade que dói.

Cansado de esperar, subi o elevador, entrei em casa e tive a sensação, a maravilhosa sensação de estar entre os meus maiores amigos, esses que não são de bloco, não são de carnaval, esses que representam uma coisa só: minha família. Minha mãe estrela maior do meu carnaval e minha irmã, companheira de folia.


E o sorriso do pequeno grande mais novo amigo, meu sobrinho Rudá

domingo, 16 de novembro de 2008

A Roda

Foto do espetáculo Amor e Loucura do grupo A Roda

"Nenhuma presença é mais real do que a falta"
Miriam Fraga

Desde quinta-feira eu não escrevo aqui. Não consegui chegar e escrever nada, porque só me chegavam palavras tristes que a falta nos traz.
Quinta-feira perdi uma pessoa querida, uma amiga, e eu fiquei muito triste, sem combinar tristeza com ela, sem ter sentido não sorrir de gargalhar.
Quinta-feira ela deixou um aquário na mesa, sem tomar um gole da redondinha que combinamos tomar. Me embriaguei sozinho à espera da companhia. Chorei, chorei, chorei... mas tive que dançar. A dança limpa a dor, mas não preenche espaços. ahhhhhh estou voltando à tristeza e não quero.
Hoje fui ao Festival de Teatro de Bonecos. Que evento lindo!!! Eu quis vivenciar as coisas lá para ter algo de bom para falar dessa cidade d'Oxum, para me alegrar em estar numa cidade cultural, para alegrar minha criança chorosa.
Assisti ao espetáculo do grupo A Roda, que engrandece esta cidade, intitulado Amor e Loucura. Os bonecos de madeira lindamente manipulados num contexto poético e onírico. Estava em outro mundo, quando escutei a voz de Miriam Fraga dizer "Nenhuma presença é mais real do que a falta".
É verdade! Terça-feira volto a trabalhar e a falta dela estará lá PRESENTE.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Saudade retada


Em dia de saudade meu coração improvisa um suspiro

e eu piro com a ausência dos amores.

Encontrei esta foto fuçando minhas coisas no computador. Dei de cara com a falta que esse povo me faz lá de longe, do Velho Mundo.... Meus amores Artmacadam, meus mestres de arte e vida!

Essa foto é da nossa experiência de 2007 lá na França. Foi Fabienne Frossart quem fez e tem gente daqui também, hein.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ser um Mirabel molhado

Que delícia ser um Mirabel!

O queridíssimo Zéu me convidou para uma participação em seus ensaios de carnaval.
Pois bem, convite feito, convite aceito. Zéu é um artista incrível! Sensível, leve, com uma arte pura, uma música bem feita, com letras deliciosas de narrativas bem feitas.

Estar ao lado de um criador como este é enriquecer nosso repertório e nossas possibilidades, é ver a arte pelo prisma do prazer e de forma grandiosa. Que honra ser seu Mirabel Molhado!
Que bom estar cercado de tantos biscoitos gostosos! "Me amarro em biscoito..."

E eu nem falei nas entrevistas carnavalescas que Zéu Brito me fazia, todo ano, nos concursos de fantasia do bloco Os Mascarados quando não tinha para ninguém... Já dá para imaginar o que saía nas entrevistas, né?

EVOÉ, Zéu Brito!!!!!!!

* hoje estou cheio de exclamação, né?
** clicando no título dá para ver o vídeo da música numa versão diferente da original.


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A criatura

Foto de Edu O.
Sem uma bela história para essa distinta senhora, deixo para vocês criarem o que quiserem sobre ela. Só sei que estava em Paris, numa tarde fria, sendo personagem de minha imaginação fotográfica.

domingo, 9 de novembro de 2008

Se esta rua fosse minha

Foto de Edu O.

"Se esta rua
se esta rua
fosse minha
eu mandava
eu mandava
ladrilhar
com pedrinhas
com pedrinhas
de brilhante
só pro meu
só pro meu
amor
passar"



O Vale do Capão é um dos lugares mais importantes na minha vida. Em meio à natureza que me impede de desbravá-la com a cadeira de rodas e apesar de não fazer trilha alguma por isso, sempre que estou nesse lugar, vivencio experiências e emoções que em nenhum outro fui capaz de sentir.

Esta foto é à beira da fogueira de São João, ouvindo violão em companhia dos hippies que estavam no Capão nesta época.

Bem no fundo de mim eu tinha a vontade de ser hippie, mas não deu nesta encarnação.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Yes, we can!


É incrível a certeza de se viver a História.
Presenciar este momento...
A emoção me tomou desde ontem á noite e eu, que não sei rezar, só tenho em meu coração a sensação de uma oração.
Quero guardar tudo para quando Rudá crescer ouvir essa história de vitória.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Há algo dessa cidade em mim

Foto de Nei Lima



Há algo de cidade em mim.
Há algo de todas as cidades dentro de mim que forma o que eu sou.
Passarelas de percepção, mensageiras de sua gente.
Das ruas, prédios, edificações, pontes, túneis, torres e postes são os cheiros, cores, vibrações, ruídos e ares o que as determina.
O que há de diferente na massa que pula carnaval da Barra à Ondina, Campo Grande à Praça Castro Alves, da massa que percorre frenética a Avenida Paulista ou que grita pelo Impeachment ou da massa que doura ao sol de Ipanema? São “as gentes” de seu lugar, é o povo ocupando um lugar que lhe pertence e que é feito desse mesmo povo.
E se andássemos na contramão do convencional, se parássemos no meio da rua para um banho de chuva às 18 horas, se vagássemos pelos “buracos” perigosos da cidade que é nossa? O perigo não somos nós? O ermo quem determina é a ausência de gente. Terrenos baldios, pessoas vazias, valores dispersos.
Há algo bem longe que também é nosso e há tanta coisa nossa que é de lá. O mundo é um ovo de codorna, uma azeitona pequena ou uma bola de gude. Está tudo ao mesmo tempo agora em todo lugar e cada um com sua peculiaridade.
Muita coisa se apropria. O turista se apropria e recria a cidade que não é sua de origem, mas que acaba voltando na mala e ficando em seu corpo como tatuagem. Toda experiência é riqueza, é troca. O que eu trago de uma viagem é também o que deixo por lá e às vezes sou tão estrangeiro no meu lugar...
Sou feliz em ser massa.
Massa corpórea
Indivíduo
Massa de gente
Coletivo
Cidade
Coletividade
Bela rima!!!!


São Paulo me representa pela complexidade, por ser múltipla, por eu ser assim. Adoro o horizonte de São Paulo. O inverso do daqui. Ir ao Porto ver o mar, pensar na vida, pôr-do-sol... tudo lindo e tão distante! Sampa me traz o útero, me leva para dentro num horizonte concreto, perto, quase a bater na cabeça. Sempre choro quando estou lá. Desaguo tudo que o mar me sufoca. Amo a noite, a multidão, a correria... Amo os amores de lá, o daqui que se transformou em lá, as artes, o nada, a parede vermelha, a família Herculano, os brinquedos de madeira, as ladeiras, as escadas, os taxistas, o metrô...

Janaína Amado pediu para que eu escrevesse sobre meu amor por São Paulo. Um pouquinho do que consegui traduzir.
* clicando no título encontra-se o blog labcorpocidade, fonte de minhas pesquisas em Estéticas Urbanas, matéria que curso como Aluno Especial do Mestrado em Dança da UFBA.

domingo, 2 de novembro de 2008

Versinho para um amor longinho

Foto da Família Jaubert, outros amores de longe


Oh Rua do Capelão,
Juncada de rosmaninhos,
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
que ele pisar no caminho.