domingo, 22 de julho de 2012

Depois do silêncio

Ele sempre esteve certo, mas confesso que ri por dentro com medo de demonstrar minha surpresa no primeiro encontro, quando falou que a coisa que mais o deixava aflito e menos gostava na conquista é a conversa. As palavras parecem superficiais, cada um querendo mostrar ser mais do que é. Tinha medo das decepções naturais quando cada um descobrisse as pequenas mentiras ou exageros apresentados no início de tudo.

E foi assim. Nos encontramos na sorveteria do centro da cidade, vendo o mar do alto, sentindo vento agradável no rosto. Aquele silêncio era mais do que agradável, era confortável até. De vez em quando pegava em minha mão trêmula, alisava os dedos, olhava meus olhos e sorria. A cumplicidade se deu desta maneira, com o encontro dos olhos. Ficamos horas sem falar, mas entendendo tanta coisa que se anunciava ali. Voltei para casa e ao fechar a porta meu coração gritava coisas lindas que seriam desnecessárias enquanto víamos o mar.

Nos reencontramos, sem planejar, no dia seguinte, na porta do cinema. Não assistimos a nenhum filme. Subimos para a varanda e ali, novamente do alto, víamos o mar e sentíamos a brisa salgada. Seus olhos dessa vez pareciam beijar minha boca, os ombros encostados demonstravam desejo e um pouco mais de intimidade. Fiquei com lágrimas querendo cair por uma emoção que jamais senti. Fugi em desespero não querendo demonstrar aquele sentimento, embora soubesse que ele sentia o mesmo. Quando fechei a porta de casa só desejava abraçá-lo e tê-lo dentro, como se eu fosse uma mochila o guardando de todo mal. Sonhei ao adormecer com a almofada em meio às pernas.

Demorou muito para nos vermos novamente. Como o que nos unia era o silêncio, óbvio que não houve telefonema e foram poucas mensagens em celular, mas a vontade de reencontro reverberou e nos vimos novamente e definitivamente enquanto comprávamos besteiras para um almoço de uma tarde sem graça de sábado. Juntamos as compras e almoçamos juntos ouvindo Adriana Calcanhoto e tomando vinho.

Neste momento deslanchamos a falar, a papear sobre vida, angústias, Leona Cavali, Ceumar, os filmes de nossas vidas, Dança e tanta coisa que o outro dia amanheceu em silêncio para nos ouvir. Acabou o vinho e eu terminei tomando cerveja quente na mesma lata de uma madrugada inteira, bêbado dos sons que saíam de sua boca e do tremor dos músculos quando me tocavam em excitação.

O silêncio até hoje é algo importante entre nós quando precisamos dizer coisas, li há muito tempo que "a linguagem é uma fonte de mal entendidos"*. Sabemos disso toda vez que as palavras entram no jogo para confundir, enganar, não revelar a verdade dos fatos. 


E era sobre o brilho desses olhos que eu queria falar desde o início e agora me calo para conseguir explicar.


*O Pequeno Príncipe

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Todo mundo é dentro

Nunca achei muito saudável alguém que se orgulha de dizer que não enche uma mão para contar os amigos que tem. Eu, ao contrário, encho as duas, os pés, o nariz, o queixo, o peito, as pernas, o pau, a bunda, as costas... encho o corpo todo e ainda assim falta espaço para contar os amigos que tenho. Todos são alicerces que me sustentam na vida, nesta loucura que chamamos mundo. E que bom ter feito esses parceiros pelos cantos do mundo e deixar saudade e viver de saudade... cada um tem uma qualidade, uma tônica, uma forma de ser. Uns mais próximos, outros mais distantes e tem aqueles eventuais e que são tão importantes quanto os primeiros. às vezes os primeiros se tornam eventuais, desaparecem e reaparecem.... é vida, é ciclo, é maré sempre cheia que precisa esvaziar para retornar mais forte. outros nem voltam, mas as lembranças e as experiências compartilhadas são eternas. Tudo isso é para agradecer por não ser só no mundo, por ter vocês por perto. Não poderei citar nomes para não correr o risco de deixar alguém de fora. TODO MUNDO É DENTRO!!!!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Um sorriso... uma Dança

Há 10 anos eu fazia meu primeiro espetáculo em Sto Amaro. Na verdade já havia me apresentado com o Grupo Sobre Rodas...? dois anos antes uma coreografia de Rita Spinneli e Samara Martins. Este, de 2002, era o primeiro que idealizei junto com o Grupo X e especialmente para minha cidade. O trabalho chamava-se "Um Canto, Um Sorriso... Uma Dança para Edu". Nele revivíamos uma trajetória, relembrávamos personagens da minha vida. Meu avô havia falecido no ano anterior e David Iannitelli fez uma cena como se fosse meu velho, tão perfeita, que parecia que ele estava ali.

Foi um encontro de amigos que se reuniram para angariar fundos para uma nova cadeira de rodas, pois a minha estava velha, precisando trocar. Foi daí que conheci Cazuza Sinclair, que hoje dança com Judite.

Muita gente em cena, doando talento e amor: Fafá Daltro, David, Clênio Magalhães, o Grupo Sobre Rodas...?, Taís Lopes, Marcelo Jardim, Andréa Daltro, Ricardo Bordini, Mariene de Castro, Edu Alves, Stella Maris, Cidinho, Cristina, Tia Tereza, Paulo Pilha, João Paim, Valmir.

Mauro, meu primo, fez a arte gráfica com uma colagem minha de um homem voando com asas de água. Mainha enfeitou o palco com flores gigantes. Pá ajudou na produção e depois ganhamos um jantar farto, na casa de Makiba, com comidas deliciosas presenteadas por muitas amigas. O teatro lotou precisando colocar cadeiras extras.

Tenho saudade dessa época em que fazíamos altas produção sem dinheiro nenhum. Conseguíamos coisas que hoje, com todos os apoios, não conseguimos. Era mais difícil, claro, mas nem por isso com menos qualidade.

Muitas pessoas da cidade que depois assistiram aos outros trabalhos que apresentamos por lá, sempre se referem a este espetáculo com lembranças emocionadas. Bom saber que tocamos em pontos importantes através da arte.

Haviam cenas lindas! Fafá e David nas cordas e roldanas, voando pelo palco do Teatro Dona Canô; Clênio de perna-de-pau, Stellinha cantando Relicário; Edu homenageando Cazuza com Bete Balanço; a janela que descia do teto comigo pendurado nela (quase nave da Xuxa) com Taís e Marcelão cantando uma música linda; o video que produzimos na feira, na casa de meu avô, no boteco que ele frequentava e nós (eu, David e Fafá comendo pipoca); Mariene adentrando o teatro gritando "Eu vou te dar alegria...."; Tia Tereza cantando Sertaneja, música preferida de meu avô; Cidinho (médico da família) e Cristina nos embalando com Fascinação....

Hoje estou voltando à minha terra para apresentar os meus principais projetos "Judite quer chorar, mas não consegue!" e "Odete, traga meus mortos", na companhia de meu querido Lucas Valentim que presentará a cidade com o seu lindo "Troca imediata de saliva e suor". Estou emocionado como há 10 anos. Judite muita gente já conhece, mas sempre é novo e sua platéia repetente é fiel. Odete será a primeira vez que conhecerá as pessoas que ouve falar nas confissões, os lugares, a casa, as ruas.... Será um momento muito especial poder contar esta história para os meus, compartilhar com eles as ausências, as saudades, as nossas mortes diárias. E assim como nas noites no adro da igreja, teremos o violão e a voz de Edu Alves para acalentar Odete, enquanto ela conta estrelas.

O Solar Paraíso será o anfitrião deste momento, casarão antigo da cidade, cheio de histórias e de gente.

Não queria que ninguém perdesse.

Solar Paraíso

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Resistência e Solidariedade


TEXTO LIDO NA ABERTURA DOS TRABALHOS DA ASSEMBLEIA DOS PROFESSORES DA REDE ESTADUAL EM GREVE, NA APLB-COSTA DO DENDÊ.

Tem muitas coisas engasgadas no peito e na alma da gente nesse contexto turbulento da nossa greve. Entretanto, duas palavras reverberam em minha cabeça o tempo todo quando penso no saldo que tivemos até aqui: resistência e solidariedade.
Acho que todos os envolvidos no movimento se surpreenderam com o que fomos capazes de suportar. Lá se vão 3 meses em que somos diariamente testados em nossa capacidade de resistir. Aguentamos todas as formas de retaliação, as mais rasteiras formas de coerção, encaramos essa mídia parcial, que trata com dois pesos e duas medidas quem tem nas mãos o controle do poder político e quem não tem, quem tem grana a rodo e quem conta moedas nos cofrinhos.
Apesar de toda sorte de golpes que sofremos, mantivemo-nos firmes e fortes, de pé. Aguentamos juntos os reveze s, e nossa coragem é hoje referência para outros movimentos sociais em andamento.
Sim, tornamo-nos exemplo de resistência – mais uma responsabilidade, além de todas aquelas que já pesam sobre nossas costas de educadores(as). E, porque fomos resistentes, tornamo-nos ainda mais valorosos. Descobrimo-nos fortes, valentes, guerreiros(as)!!
E de onde veio tanta força, valentia e garra? Qual a fonte de nossa resistência? 
SOLIDARIEDADE!! 
Ao longo do percurso da nossa greve, estreitamos laços. Unimo-nos e descobrimos como a nossa união é boa, como ela nos fortalece. E, em meio a todas as batalhas dessa luta desigual - em que chegamos a chorar juntos - tivemos momentos de abraços, de afetividade, de empatia, de risos e muita, mas muita mesmo disposição pra fazer as coisas acontecerem.
Diferentemente dos que hoje representam o Governo do Esta do, nós não perdemos nossa essência humana. Sofremos demais com as agonias dos colegas que se viram privados dos meios de sobrevivência. Individualmente ou no coletivo, estendemos as mãos para os colegas mais próximos: uma visita, uma palavra, uma conversa reconfortante, nossa rifa, nosso bazar da resistência... Ações solidárias que nos moveram em direção ao outro, na tentativa desesperada de acalentar, de ajudar, de ser bálsamo em meio às dores.
O meu desejo mais profundo agora é que não percamos essas duas dimensões: resistência e solidariedade. Que a (re)descoberta do quanto somos capazes e do quanto somos essencialmente humanos não adormeça perante os desafios que ainda hão de vir. Na luta ou na rotina do trabalho, na rua, em casa, nas redes sociais, todos os dias, lembremo-nos dessa conquista inalienável, que ninguém tira de nós: resistência e solidariedade. E o respeito, o autorrespeito, a auto estima, a reverência, os ganhos e todo resto será consequência dessas duas capacidades que acalentamos durante esses 3 meses: capacidade de resistir, capacidade de se solidarizar.
Valença, 10 de julho de 2012.
Professora Neli Paixão.