quarta-feira, 25 de abril de 2012

Corpóreo


Assim como Drummond: Quando nasci, em 26-10-1976, um anjo torto disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. E eu fui. Assim, em minha certidão de nascimento e em todos os outros documentos meu nome é Carlos Eduardo Oliveira do Carmo. Mas pelo hábito e costume de sempre ouvir me chamarem de Edu desde pequeno, assimilei este apelido como minha identidade e adoro ser conhecido como Edu O.


Tive pólio com 1 ano. Aos 5 li uma manchete que dizia: Teimosia de Telê derrotou o Brasil. Aos 8 viajei à Brasilia para fazer uma cirurgia no Sarah. Me apaixonei por Carol aos 9 e para ela escrevi minha primeira carta de amor. Brinquei de pipa, bicicleta, baleado, picula, gude, boneca. Tinha coleção de Playmobil. Adorava colocar toalha na cabeça fingindo ser cabelo grande. Imitava as misses chorando. Me pintava de palhaço com minha irmã e a turma da rua. Tive medo de Monga. Aos 13 ganhei minha primeira cadeira de rodas. Meus pais se separaram nesse período. Tive festa de 15 anos. Fiquei bêbado pela primeira com essa idade. Aos 18 entrei na Escola de Belas Artes da UFBA. Lá descobri que eu gostava de meninos. Hoje sou louco de amor por um específico. Fiz aula na Escola de Teatro, onde conheci uma dançarina que me levou para a Escola de Dança de onde não saí mais e atualmente estou no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Dança. Desde 1999 faço parte no Grupo X de Improvisação em Dança. Fiz especialização em Arteterapia. Curso de Clown, dicção, poesia falada. Já viajei bastante dançando. Acabei de chegar da China. Estou trabalhando com a Candoco Dance Company, de Londres, onde vou dançar nas Olímpiadas Culturais, em setembro. Adoro sair contando a vida de Judite, me confessar para Odete, ler Becket para Marilyn e tenho muito orgulho d’O Corpo Perturbador. Dancei com Alito Alessi. Je t’aime nosso Euphorico com a Cia artmacadam que já nos levou 5 vezes a Marseilles. Já fiz Ariel de Shakespeare em Lyon. Escrevi um livro infantil. Ganhei alguns prêmios e editais. Tenho saudade de Sto Amaro. E agora estou batendo papo com vocês.


Eu poderia me apresentar falando meu nome, formação e logo enveredar para as questões da deficiência, afinal o tema é esse nesta noite, mas seria reduzir demais nosso assunto e nós merecemos mais, não é¿ Irei me remeter à Chimamanda Adichie, nigeriana, contadora de história, que fala sobre o perigo da única história. Numa palestra maravilhosa, depois de falar sobre muitas coisas de sua vida e dos problemas da Nigéria, ela conclui:


“Todas essas histórias fazem-me quem eu sou, mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que formaram-me. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos, não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se uma única história". 


*apresentação que escrevi para o Bate-papo Corpóreo realizado, hoje, no Teatro Gamboa Nova, promovido pelo Núcleo Vagapara, comigo, Fafá Daltro e Thúlio Guzman que também apresentou Cotoco.

domingo, 22 de abril de 2012

Viajar com o olhar de Clarice (diário de bordo da viagem à China)

Me interessa o mundo de Clarice. Muitas vezes, quando viajo, tento imaginar o meu olhar como sendo o dela. Como ela veria as cores, sentiria os cheiros, a temperatura, as compras, as fomes? Em viagem sentimos fome de tudo e muita. Fome de ver paisagens belas, fome de arquitetura, fome de gente, fome da língua, fome de voltar, fome dos amigos distantes.... O nosso corpo responde a essas fomes e pode até adoecer se não ingerir direito, se não mastigar, se a digestão for ruim. O olhar se alimenta de tudo, menos das ausências que é o que mais comi enquanto estive aqui.


Yuyuan Garden - Xangai

Clarice também sabe que as fotografias mentem em seus recortes, perdem o conjunto, especificam o olhar. E o poeta indiano me avisou no metrô de Londres que memórias distorcem geografia*.

Ter viajado à China transformou alguma coisa aqui dentro, é uma sensação de ter comido algo que não sabemos como vamos responder. Foi interessante ir a um lugar que está mais ou menos no mesmo nível que o Brasil, ambos países em desenvolvimento, partes do grupo dos BRIC's... não poderei falar sobre política internaional, não me atreveria a isso, mas é diferente pensarmos no nosso país estando na Europoa, por exemplo, que o nível de comparação de serviços, qualidade de vida, infra-estrutura é bastante diferente. Eu particularmente conduzi o meu olhar para questões de acessibilidade e embora a arquitetura contemporânea chinesa seja bela, criativa, eles ainda não se preocupam com o acesso das pessoas com deficiência. Inclusive um ocidental em cadeira de rodas, como eu, pode virar atração turística em algum espaço público. Muitos me fotografaram. Uns tentavam fingir que faziam fotos do ambiente, outros eram mais ousados e clicavam mesmo para eu ver. Achei  curioso esta relação comigo porque vemos muitos idosos em cadeira de rodas pela rua.


Summer Palace (Palácio de verão da imperatriz) - Pequim

No Centro Nacional de Performance, em Pequim, por exemplo, não consegui entrar pela entrada principal porque não havia elevadores que me levassem ao andar inferior que tinha um acesso com escada enorme. Precisei dar uma volta no prédio (que é lindéééérrimo!!!) para ir ao camarim. Fiquei seme entender por onde os deficientes entravam para assistir aos espetáculos e ter acesso a tudo que acontece ali dentro, pois na parte interna havia elevadores e rampas, embora em alguns pontos nos desparássemos com alguns poucos batentes.

Essa acessibilidade mal feita está em boa parte dos prédios, mas estivemos num dos edifícios mais altos do mundo. Tomamos um drink no 91° andar, infelizmente estava um dia chuvoso e não pudemos ter uma visão completa da cidade de Xangai. Apenas um aperitivo num momento em que o vento espalhou as nuvens e pudemos comprovar a altura que estávamos, mas esses detalhes deicarei para outros textos, mais específicos sobre cada lugar que visitamos.



Shanghai World Financial Center - 492m

*Sujata Bhatt

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Quando eu empinava pipa, corria de bicicleta e não sabia amar

Acredito que em todo interior pequeno é assim, pelo menos em Sto Amaro é, muitas pessoas são chamadas pelo nome seguido do nome da mãe ou do pai: Gabriela de Lurdinha, Carla de Dó, Edu de Dinorah, Rodrigo de Dona Canô, Eduardo de Norminha, Carol de Herol, Carol de Consuelo, Flavia de Célia, Katinha de Leda, Patricia de Genebaldo, mas a que eu vou falar hoje é a Patricia de Dona Detinha. Ela não sabe a importância que tem na minha vida. Certeza que não. Deve achar que só é lembrada por causa das loucuras, também, mas não só. Tenho histórias incríveis vividas com esta amiga. Lógico que no momento não temos a dimensão do que acontece em nós, mas muitas coisas me transformaram.

Eu não me dava conta de quantas vezes eu já tinha falado sobre uma tal pipa. Em Judite, em Odete, no blog... sempre citei o nome dela, mas nunca contei a história propriamente. É um caso mais vivido na imaginação e talvez nem ela se lembre, porque de fato a nossa pipa nunca voou. Não passou de tentativas frustradas. Ela é apenas dois anos mais velha do que eu e eu devia ser pesado para ela me carregar, mesmo assim ela me colocou nos braços, pegou a linha da pipa e saiu correndo. Nós não sabíamos empinar aquele negócio, não soltávamos a linha, não puxávamos, apenas corríamos. E eu que nunca corri na vida, na senti o vento e as casas apressadas passando por mim. Eu ria alto e pouco me importava se aquela pipa não saía do chão, o fato era que eu, pela primeira vez EU estava voando nos braços daquela menina. Muitas coisas foram a primeira vez com ela. Os beijos de lingua embaixo da mesa. A primeira pessoa a dizer que estava apaixonada por mim. as corridas de bicicleta...

No tempo em que ela confessava sua paixão, eu não estava preparado para aquilo. Eu não tinha idade, eu não sabia, eu tinha vergonha de ser amado. Eu não sabia amar. Os beijos aprendi a dar e gostava, embora também ficasse tímido se alguém soubesse. E a bicicleta...

A galera da rua se juntava para fazer passeio de bicicleta. Lógico que eu não podia jamais andar nisso, mas com Patricia era possível. Me enfiava na garupa do negócio, minha mãe enchia de recomendações que ela obedecia até virar a curva da rua. Ia mansa, devagar, depois saía desembestada atrás dos meninos que iam lá frante numa disparada só. Nós os alcançávamos e atravessávamos aquele bairro inteiro: Rua K, Rua D, Rua A, quando chegava na Rua B, o calçamento ainda não estava completo, havia um pedaço de chão de barro, às vezes fazia lama com a chuva e num determinado ponto, era o ápice da aventura, todas as biciletas eram escarreiradas por um cachorro enorme. Eu gritava e Patricia fazia questão de passar bem juntinho, afrontando o bicho. Eu chegava em casa exausto e dolorido com os tombos daqueles paralelepípedos que faziam a bike voar.

Mainha era incrível, ainda é, mas naquele período podia parecer até irresponsabilidade largar o filho na mão da menina mais maluquinha da rua, perigando cair, se machucar, mas ela sabia que eu era criança e quem cai, levanta. A infância é um período muito curto em nossas vida, período de passar por todas essas experiências, vivenciando o mundo de forma lúdica porque quando crescemos os paralelepípedos são outros, as quedas são maiores e o que nos machuca não sangra e nem cura com mertiolate.

terça-feira, 10 de abril de 2012

O monstro que habita o sofá

O monstro ainda está deitado no sofá da sala de lá de casa. Acho que ele nunca saiu, embora ninguém o veja. Às vezes dá o ar da graça com seu mau humor, com seu bafo de quem passou do ponto. Pouco ri, quase não fala, em alguns momentos ensaia uma grosseria e dá patada, mas ninguém sente. Já acostumamos com as dores que ele provocava de vez em sempre. No início do mês arrota capim e ele nem come capim. Um arroto alto, maleducado. Aquele cheiro enche a casa de um ar quente, enjoado. O povo que não o vê, acredita ser esgoto entupido e contrata sempre alguém para resolver o problema. Gastando dinheiro à toa. Ele ri com sarcasmo e solta mais grosserias, achando engraçado o que fala. Nos sentamos ao seu lado, comemos, dormimos, assistimos a tv, estudamos, falamos ao telefone... e ele ali de pernas cruzadas, ouvindo tudo, tomando conta de nossas vidas para depois vir com mais patada. Tem gente que nunca o esqueceu, nunca o perdoo. Mesmo sem saber de sua presença, fala dele com raiva e tristeza. Outros monstros habitaram minha cama embaixo, a escuridão do corredor, as escarradas corridas de medo, a casa acesa para não ter pesadelo... todos esses tomaram seus rumos e outros chegam e vão embora, mas aquele nunca foi, nunca irá. Ele se apossou de algo em nós, todos nós, deixou sementinhas que nasceram e pipocam com os anos. Nós espelhamos ele quando vamos à rua, mas como somos nós os espelhos, jamais nos vimos. Retornamos e entramos em casa satisfeitos, trazendo flores que ele murcha sugando seu néctar e assim acordamos também emurchecidos.

domingo, 8 de abril de 2012

Um silêncio de coisas gritantes

Não sei onde aprendi que felicidade se curte em silêncio. Talvez seja o medo de gastá-la, esvaziar-me dela com a brisa que sai com a voz. De tão feliz fico calado, quieto, olhando o mundo e rindo de embolar por dentro. Muitas vezes é difícil de acreditar nas coisas que acontecem e nas voltas que já dei e continuo dando. Pensamentos que se concretizam, desejos se materializando. Outra possibilidade para este silenciar é a fraqueza de um grito diante da imensidão dos acontecimentos, oceanos, céus, braços enormes correndo o mundo e este sorriso que não sai de dentro de mim espelhado nos rostos de quem me ama. O exterior de mim. Estes olhos que criavam paisagens se farta de tanta novidade e quer ser maior para não perder detalhes, cores, texturas.... ahhhhh e tem os sabores, os sons, o vento e mais uma vez o céu. A lua ontem estava imensa, amarela, há dois palmos do telhado da casa onde o carinho jogava cartas na sala como quando eu era criança fantasiado com toalha na cabeça, jogando "fruta"com Paloma e Letícia. E se eu não saí de lá? Se continuo escondido na cabana de índio com janelas rasgadas de tesoura? se a pipa ainda está voando naquela rua e Lidio daqui a pouco chega para me pegar?

E se eu acordar?

Ninguém é capaz de sonhar com detalhes o que nunca viu.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Graça sobre a língua

Eu e o meu inglês. É notório como evolui no entendimento das palavras, como consigo desenvolver um diálogo, lógico que sem frases perfeitas, com conjugação errada, mas a comunicação é feita e isso é o que de fato interessa. Porém, acontecem momentos muito engraçados como o de hoje.

Chris é um dos dançarinos do Candoco, muito próximo a mim, carinhoso, atencioso e muito simpático. Tenho levado os textos do mestrado para estudar nos intervalos do ensaio. Eles ficam curiosos para saber sobre o que estou estudando, onde, o que estou fazendo.

Na hora do almoço, Chris me pergunta alguma coisa que eu entendi como se eu tinha email e que ele gostaria de ter para me escrever sobre um trabalho. Respondi com um sonoro "UAUUUUU", achando que vinha proposta das boas por aí. Ok. Entramos para ensaiar, não falamos mais sobre o assunto. Num momento em que eu e ele não estávamos em cena, aguardando uma turma treinar, eu abro minha mochila, pego meu bloco de anotações tamanho A4 e escrevo em letras gigantes EDUIMPRO @ ETCETCETC, em meio a desenhos carinhosos. Isso porque nós ficamos brincando de my love, my love. Brincadeira entre todos os dançarinos. Achei estranha a reação dele quando eu entreguei o papel, não falou nada sobre a proposta, fez uma cara de surpresa, tipo "por que este maluco está me entregando isso?". Normal, ali é comum a maluquice. Continuamos a conversa e ele me pergunta "quanto tempo dura o seu email?". Aí eu tive a certeza que Chris estava ficando maluco e fiz cara de quem não entendeu. Ele repetiu "quanto tempo dura o seu email?", eu respondi "forever", ele arregalou os olhos e respondeu com outro sonoro "UAUUUU". Eu ainda falei que ele não se assustasse com meus erros de inglês quando eu respondesse a ele, porque eu utilizo o Google Tradutor. Ele não entendeu minha observação. Aí chamei Daniel, meu amigo-tradutor, que desvendou o mistério. Mestrado aqui eles abreviam e chamam de MA, pronunicia "eme ei", falando rápido fica "emei" muito próximo da pronúncia de email. Desde o início ele estava querendo saber coisas sobre meu Mestrado e meu trabalho. Até agora dou risada dessa loucura e fico imaginando como não será na China.