quinta-feira, 28 de julho de 2011

Canção do ver (trecho)


Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos de passarinhos que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão – como alguém que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.
(Manoel de Barros)

*Recebi esta surpresa no facebook de Clarice, uma amiga das mais especiais, com quem aprendi tanto na vida e continuo aprendendo. Ela publicou essa série de fotos que fazemos em mesa de vidro e vemos o tempo passando. Chegou num momento de fim de tempo para um amigo querido, de saudade e lembranças. Caco é assim, adivinha minhas coisas e está presente mesmo quando não sabe.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

As mais belas imagens

Ela dizia que não sabia fotografar. Pegava a câmera digital, encostava o olho, tremia, ficava nervosa apressando o clique, tremia desfocando os sorrisos. Viajou prometendo arquivos vazios, tudo registrado na memória. Deixou a casa também vazia e uma saudade, além da certeza de que nada tem cor sem ela por perto. Senti na pele o que ela sempre repete quando estou longe e teimo em partir. O café sem graça, a televisão apagada, o sofá e as almofadas sem uso. Tudo na casa reclamava sua presença. Eu também. Adoeci e chorei sem seus cuidados, sua preocupação. Dormi sozinho pensando besteira.

Ontem chegou a majestade com olhos reluzentes, alegria em cada poro, eufórica nos gestos e palavras, feliz pelo sonho realizado. Que alegria vê-la alegre! A casa se encheu novamente, o telefone que antes mantinha-se mudo não parou de tocar e a vida na casa voltou correndo pelo corredor.

E as fotos? Bem, para surpresa de todos a viagem acalmou seu olhar e nos presenteou com belas imagens, além de todas que somente ela é capaz de ver porque ninguém pode viver experiências pelo outro.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Não sei mais o que fazer, como agir nesse mundo

Dia 18 de julho de 2011, segunda-feira, fui ao Cinemark do Bourbon Shopping Ipiranga, em Porto Alegre, RS. O que era um programa simples, tornou-se inacreditavelmente “impossível”.

Eu e mais 03 primos compramos os ingressos e entramos na sala de cinema. Constatando a dificuldade de visualizar a tela, devido sua proximidade, pedi para minha prima, Bruna, solicitar a ajuda de um funcionário. Devido sua demora, solicitei que minha outra prima, Gerusa, fosse verificar o que estava ocorrendo. Minutos depois, elas entraram acompanhadas pelo gerente, senhor Maurício. Ele afirmou que o Cinemark proíbe seus funcionários de prestar auxílio como “este” aos seus clientes. Ou seja, o Cinemark, além de não disponibilizar um local decente para cadeirantes, proíbe seus funcionários de os colocarem em uma poltrona onde possam, ao menos, ver o filme. Apesar de preferir me locomover livremente e saber das leis que asseguram esse direito, abdiquei disso para me adequar ao serviço precário oferecido e, mesmo assim, escuto do representante da empresa que isso NÃO É POSSIVEL?!

Como o filme estava prestes a começar, minhas primas decidiram que elas mesmas me colocariam na poltrona. Nesse momento, o gerente “informou” que esta ação não poderia ser feita dentro do estabelecimento. Além de não ajudar, proibiu minhas primas de prestarem esse auxílio.

No primeiro momento da solicitação, quando a Bruna ainda estava sozinha, o senhor Maurício comentou que o cinema não tinha “estrutura”, pois era feito para “pessoas normais”. Normal, anormal ou qualquer outro rótulo ou denominação que queiram dar, não importa. Tenho limitações sim, mas, como qualquer outra pessoa, paguei por um serviço, pelo qual não fui informada que não poderia usufruí-lo.

Durante este lamentável acontecimento, meu único desejo era me esconder, chorar de raiva, pois além de me sentir severamente lesada como consumidora, me senti diminuída como pessoa. E pior, pelo tom usado pelo funcionário, me senti culpada por estragar o passeio das pessoas que me acompanhavam, entre elas, uma criança.

Além de tudo, por instantes, o gerente me fez acreditar que o problema em questão era eu, e não sua empresa... Que inversão de valores é essa?

O caminho mais simples é “deixar assim”, mas me nego a considerar essa possibilidade. Por isso, peço que ajudem minha voz, que continua embargada, a ser ouvida por outros, sejam eles donos de estabelecimentos ou pessoas que, devido às injustiças vividas diariamente, desistem de lutar por seus direitos, por menores que sejam, como assistir um filme numa segunda-feira a tarde...

Agradeço a colaboração!

Grande abraço,
Vitória Bernardes
21/07/2011

domingo, 17 de julho de 2011

Um outro olhar

Ver esse menino de três anos, miúdo, cabelo no olho, esmirradinho, esmirradinho e tão inteligente. Pega no ar as coisas que pensamos em dizer/fazer, comprendendo gente grande. Meu coração sempre fica aos pulos de emoção porque temos um reizinho dentro de casa. Antes de nascer já era esperado como tal e veio para aumentar a caduquice de todos nós, dos dois lados, de mãe e de pai.

Acho uma responsabilidade grande ter menino. O mundo anda estranho desde que surgiu, toda nova geração que chega causa estranhamento nas antigas e o passado sempre tem cara de melhor. Fico imaginando como corresponder à responsabilidade de ser tio e padrinho, o que posso dar de melhor, qual a minha herança? Dinheiro eu ainda não encontrei, brinquedos quebram, roupas ficam pequenas e sapato nem cabe no pé. Procuro em mim algo de muito meu para que possa ser lembrado quando não mais estiver aqui e percebo meu olhar para as coisas. Como sempre vi pelo nível baixo, quase rasteiro do chão,  entendo quando tenho uma visão diferente sobre algo do mundo.

Ontem brincávamos eu, ele e sua mãe, minha irmã, num daqueles parquinhos de praça onde a criança sobe uma escada, passa uma casinha e desce na escorregadeira. Ele todo pequenininho em meio a uns meninos maiores, demonstrava ainda a insegurança diante das coisas. As mãozinhas sem muito apoio para subir a escada de madeira grossa. Então eu lembrei de como Judite faz na escada, orientei para ele tentar brincar de Judite um pouco. Ele se esforçando, disse "Dudu não me deixa subir!". Eu respondi que queria mostrá-lo a ver as coisas de forma diferente. Escada todo mundo sobe igual e porque não brincar de forma diferente, se enfiando nos degraus, se pendurando pro baixo, sei lá. Ele muito esperto respondeu na lata: "Ah, sim!" e voltou para fazer tudo que Judite faz, ficando deitado, torto, quase de cabeça para baixo. Pode não ser nada demais, mas acredito que orientar uma criança a fazer e ver as coisas de outra maneira, ajuda a encarar as diferenças, perceber as múltiplas possibilidades que lhe chegam na vida, a fazer escolhas por conta própria e não seguir como um boi numa boiada. Reflito também na responsabilidade que tenho sobre isso e se realmente vale a pena ampliar tanto os horizontes. Quem vive assim sabe o peso que é carregar muitas bagagens.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Resta um

Descobri o porque do mau humor e do coração triste acordado por telefone insistente. A culpa é dela que inventou de galgar nos quatro cantos do mundo. Sem ter o que fazer, resolveu partir. Hoje é véspera, dia de despedida e não estou em condições de adeus por hoje, nem amanhã, nem depois. Principálmente dela que chegou chegando. Era amiga sumida, boleira, dava bolo toda vez, mas depois que pegou liga, não nos desligamos mais. Me ensinou muito com sua terapia do balde, uma técnica revolucionária de análise. Já rolamos no chão da Concha gritando Los Hermanos e também na grama do quintal de amigos. Já ficamos sem dormir em piscina plástica. Ela ouviu quase todas as confissões de Odete e se perturbou com o Corpo. Já choramos tanto até gargalhar de scarpin amarelo. Nos xoxamos. Sem opção, me deu carona de perder as contas. Tote já brigou com a gente e Pra começar trememos na base de perna pro ar no sofá.

A outra já foi há bastante tempo e volta sempre para alegrar os dias. O outro também está lá no interior e aqui no interior de mim. Sobramos nós dois, daquele quarteto fantástico, daquele fim de semana filme sessão da tarde, clássico dos clássicos. Ficamos nós dois e agora ficará somente eu, como jogo de resta um. Nunca soube jogar, roubava para não perder. E se eu roubasse os documentos dela? e se inventasse engarrafamento na paralela? e se....

Não... ela precisa ir, ela quer ir. Então que me faça o favor de ser feliz, se realize, pense em mim, galgue cantando do Leme ao Pontal e quando estiver sentada vendo o mar, cantarole para mim "Vago na lua deserta das pedras do Arpoador.... Faz parte do meu show, faz parte do meu show"

Meu amorrrr!!!




"Um novo ou velho amor
Vai te levar leve a vagar
Prum lar de fina-flor
E você vai ser mais feliz"
Assim será - Los Hermanos

* Não poderia faltar, ne?

Coisas de Sto Amaro

Sou forte
Sou guerreiro
Minha terra é Sto Amaro
Meu torrão é brasileiro
E tome-lhe vegetal!

* o tio de Makiba vivia a recitar esta quadrinha criada por ele mesmo. Aprendi com ela. Só queria entender onde entra o vegetal


Ruína da primeira igreja de Sto Amaro. Conta-se que neste local um índio matou o padre. Para nós, santamarenses, é um lugar importante, mas infelizmente as autoridades não se interessam em restaurar e transformar num lugar turístico de nossa cidade.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Indo longe

Ontem O Corpo Perturbador foi destaque na primeira página do caderno de cultura da tribuna da Bahia e estava em vários sites e blogs que falavam de nossa apresentação de hoje 14/07, às 16h, na Praça Pedro Arcanjo-Pelourinho.

Estou super feliz porque o espetáculo tem recebido convites importantes e tem conseguido se manter desde a estréia. Espero que seja assim por muito tempo e que consiga ir longe.

foto de Ana Luiza Reis

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Caça-Palavras

Eu adorei brincar com este Caça-Palavras. Uma amiga encontrou de primeira o sexo, mas eu demorei a achar. To mal, viu?

Só valem os 3 primeiros achados, hein?

Minhas palavras: FAMÍLIA-SEGREDOS-PREGUIÇA

E vocês?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O engenheiro que virou maçã

O Coletivo Construções Compartilhadas (Salvador, Bahia - Brasil) promove a reestréia da instalação cênica O engenheiro que virou maçã. O trabalho foi concebido por ocasião do Prêmio Interações Estéticas-Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2008, da FUNARTE, e já foi apresentado no Cine-Teatro Solar Boa Vista, Palacete das Artes Rodin Bahia, Festival Internacional Outras Danças (BA) e Bienal Internacional de Dança do SESC Santos (SP). A reestréia acontecerá no período de 1 a 16 de julho, sextas e sábados, das 19h às 21h. Visitação limitada a 30 pessoas simultaneamente.
Mais informações no blog:  http://www.construcoescompartilha/ ​

foto João Meirelles

domingo, 3 de julho de 2011

A mesa de café

Não lembro de ter tido um dia na vida em que a mesa de café não estivesse posta, pronta a todo momento. Quente-frio sempre cheio, torradinhas finas feitas na faca velha, amolada em pedra no quintal, bolachinha cortadeira no pote, manteiga, leite em pó e açúcar. Quatro cadeiras ao redor da mesa preta, de madeira bem grossa talhada. Os passos pequenos no corredor, tateando a parede de olhos cegos, bebendo chá mate pensando ser café, mergulhando as torradas no líquido quente, chupando o caldo que escorria pelo queixo.

O outro vinha com carinho, limpando o rosto com guardanapo, arrastando também os pés cobertos de meia, enfiados numa sandália de couro velho, sentava do outro lado da mesa e tomava seu café, olhando para aqueles olhos que não mais o exergavam. Ela aguardava ele anunciar o fim da refeição e seguiam juntos para o sofá onde descansavam um pouco antes de dormir.

Os mais novos chegavam tarde e completavam a mesa que já estava vazia sem eles. Ainda hoje é assim... a mesa continua vazia, sem os mais velhos, sem os mais jovens, na esperança de um dia alguém gritar na grade pedindo para abrir a porta que não abrirá nunca mais. Nunca mais. A casa foi vendida com tudo dentro, inclusive com eles que não estavam mais ali.