quinta-feira, 17 de julho de 2008

Minhas roupas

Não se faz o que o meu guarda-roupa fez comigo ainda há pouco
Lembro que hoje, antes de sair para um compromisso,
Fui escolher uma roupa para me vestir
Como de costume e todo mundo faz normalmente.
Antes disso resolvi, num ato de impulsividade, guardar umas roupas
Que estavam esquecidas numa mala de uma viagem que eu fiz há três semanas
Elas estavam até felizes por estarem ali naquele canto, abandonadas, sem uso...
Não precisariam ser passadas, lavadas,
Não ficariam com cheiro de cigarro, nem manchas de bebida...
Lembrei e resolvi guardá-las
Abri aquela mala e num impulso joguei, arremessei as pobres coitadas, de uma só vez,
Dentro daquela escuridão que as esperava como quem quisesse devorá-las.
Peguei uma dessas que quase me matou de calor durante o dia
Eu não sabia, mas já estava começando a vingança
Retornei à tardinha do tal compromisso e comecei a perder meu tempo com a televisão
O dia passou sem novidades, sem acontecimentos interessantes
Quarta-feira sempre é assim, exatamente o meio da semana
E eu odeio meio das coisas: meio termo, copo pelo meio, lençol no meio da cama, meio da rua
Nada que indica metade me agrada, se quer me dar que me dê inteiro
E hoje eu estava justamente assim, meio borocochô
No meio do quarto assistindo à metade de todos os programas
Porque o controle não parava em nenhum canal
Eu não agüentava mais aquilo
Era noticia ruim de um lado, Nazarés de outro,
Leões de mau gosto pra cá, jogos pra lá...
Cansado disso tudo, tive a brilhante idéia de arrumar meu guarda-roupa
Que estava quase desmoronando com a bagunça feita mais cedo
Sem escolher eu ia pegando cada peça.
Paciente e cuidadosamente ia dobrando, alisando e arrumando num espaço do chão
Separando por gêneros: calças, shorts, camisas
Aliás, essas me deram o maior trabalho, porque camisa tem de vários gêneros:
As de sair, as de ficar em casa, as de dormir, as sociais
E ainda um gênero que eu faço questão de separar que são as batas
Bem, as camisas ocuparam todo o chão do quarto
Percebi que algo acontecia enquanto eu arrumava aquilo tudo
Era a vingança das roupas jogadas em acordo com o maldito guarda-roupa
Que começava a me cuspir um monte de verdades
Aos poucos fui pensando na minha vida,
Em como eu estou com a mania de querer organizá-la
Não respeitando a desordem natural em que ela vive e se resolve
Tentando agir como se os acontecimentos pudessem ser separados por categorias
E que na verdade tudo acontece ao mesmo tempo e tudo está interligado
Observei também que sempre fiz isso com meus amores
Classificava cada um com determinados rótulos que eu colocava como identificação:
Alternativos, belos, inteligentes, chatos, sensíveis,
Os mais amados, os menos amados, os daqui, os de lá...
Porém guardava todos como meus, nessa escuridão que me devora
Com a mania de posse, de agarrar e não dividir
Sem me dar conta de que isso é impossível
Porque amores são roupas que escolhemos
E essas só nos servem e embelezam enquanto estão sendo vestidas
Fora de nós qualquer outra pessoa pode usá-las
E pode acontecer, inclusive, de lhe cair bem.
Pensei nos meus amores, minhas roupas:
Naquela que meu amigo vestiu domingo passado
Na outra que está sendo figurino de músico
Nessa que durmo, mas não fica comigo
E em tantas outras que experimentei e não me caíram bem
Compreendi o mundo então como um enorme shopping center, uma gigantesca vitrine
Em que também estamos em exposição
Eu na verdade estou sempre em liquidação, no balaio
Com defeito, amarrotada, manchada pelo tempo, sem botão, sem etiquetinhas
Sem me vender, desejo muitas roupas
Mas não gosto de emprestar as minhas

4 comentários:

Anônimo disse...

Ah Edu, eu que sou libriana, adoro um meio termo, um "nem tanto nem tampouco" e por aí vai (ñ me indique seu astrólogo, por favor!). Por falar em indicar, Miro me indicou ir assistir à um espetáculo seu, segundo ele, eu vou gostar demais. Olhei sua agenda, e qualquer dia desses irei assisti-lo e conhece-lo pessoalmente. Bjs em Rudá, e um abração prá vc

Anônimo disse...

Edu, suas roupas me cairam muito bem. Beijos Maria
PS: esperando Mãe Clarita melhorar da rêra para irmos conhecer Rudá.

Bernardo Guimarães disse...

Ô Edu,que belo texto.
Foi me dando uma aflição, aquelas roupas, os amores, a desnudação...
gosto de como vc escreve.

lara disse...

oi edu, conheci seu blog, graças ao e-amil que ninfa me enviou, e vc dizendo como as pessoas não iam ao blog ver , então vc ia faze - lo ali mesmo o texto era das pedrinhas portuguesas, com isso tive curiosidade em dar uma passada aqui... simplismente adorei o texto, como vc detesto o meio termo, mal de escorpião, seu blog ja estar na lista dos favoritos...