A casa era toda branca: paredes, móveis, tapetes... Tudo branco! Fui me aproximando dele, vestido com um terno negro e calçando sapatos de verniz, também negros. Os sapatos brilhavam mais do que qualquer coisa nele, que estava ali deitado com um rosto branco, numa cama alva, como se estivesse coberta por almas. Não sei quantas vezes tive que respirar fundo para conter o choro. Brinquei, beliscando a ponta do seu nariz, mas ele continuou, ali, imóvel. Falei umas besteiras, sussurradas ao seu ouvido, ele mudo. Respirei fundo novamente e lembrei daquele cheiro na estrada. Era o meu primeiro contato com a morte. Aquele fedor repugnante sufocou minhas narinas como um plástico. O ar era sólido, compacto, quase me derrubou no meio daquela estrada. O cheiro da morte é pior do que a própria, porque nos chega depois que ela passou para nos confirmar a podridão das nossas vidas. Senti náuseas ao lembrar do meu próprio fedor, do meu apodrecimento. Vomitei nos pés de um candelabro de prata colocado aos pés da cama dele. Percebi, então, que estávamos sós, ou era ilusão minha? Sós como muitas vezes estivemos, mas agora era diferente... subi na cama apoiando-me em seus braços rígidos como sempre estiveram para me dar apoio. Sentei ao seu lado, descansei a cabeça em seu peito, ouvi a canção que ele cantava para eu dormir. Sorri! Ele agora me ninava. Seu coração tocava música! Chorei. O som me fez chorar. Agora não estávamos mais sozinhos. Pessoas passavam tranqüilamente pelo corredor. Não olhavam para dentro do quarto. Não repararam nossa presença. Escutei galopes de cavalo se aproximando. Apertei forte contra seu peito, sua música diminuía de volume. Nesse instante o cavalo se aproximava. Senti o fedor novamente e cantarolei para não voltar a vomitar. O cavalo, aquele que fedia na estrada, não o vi, mas sei que era ele. Parou na porta da casa toda branca. O fedor me tapou a boca, entupiu meu nariz. Me chegou tão violento que me levou ao chão. Quando acordei não mais o vi, mas escuto sempre sua canção. E todos os cavalos fedem para mim.
Este texto foi publicado, aqui no blog, no início de 2008. Agora volta porque fez parte do processo de Odete, está muito vivo em mim e a saudade cresceu.
Um comentário:
O texto merecia representação mesmo. Ele é muito forte, excelente.
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