Nosso querido Marcus Gusmão me deu de presente este microconto devotee que publiquei também no blog O Corpo Perturbador que é para onde os microcontos são criados, mas como aqui temos vários amigos em comum, sei que será um sucesso.
Casa de Massagem III
Marcus Gusmão (terceiro ponto de vista sobre o conto de Herculano Neto)
Enxuguei as mãos, joguei o avental na pia e fui para o depósito. Cheguei a tempo ao meu posto de observação, uma fresta na junção das madeiras da janela do quarto dos fundos. As garotas sabiam quando eu estava ali, mas desta vez não teve a piscadela de sempre. Ela se concentrou em tirar a roupa do cara. Muitas vezes fazia isso com aqueles que achavam estar o serviço incluído no preço. Neste caso era necessidade.
Moro em Alagoinhas e para mulher e filhos justifico Salvador todo fim de semana com uma pós-graduação. De fato, faço o curso, já é o terceiro. Mas à noite trabalho quase de graça numa casa de massagem, como barman.
De repente só havia o corpo dela de costas para mim, agachada de quatro, com os cotovelos apoiados no colchão. Aquela posição era a melhor, dava pra ver todos os movimentos. Mas desta vez não havia outras pernas nem outras mãos. Do cara eu só via a cabeça apoiada sobre o travesseiro. E os olhos. Toda a energia daquele corpo se concentrava nos olhos e na pélvis totalmente envolvida, calçada por outro travesseiro. Parecia um gato comendo um passarinho.
Estava acostumado a olhar. Muitas vezes era só um olhar um pouco febril. Mas desta vez senti a febre mais alta, da nuca para a cabeça. Respirava no ritmo daqueles dois, ritmo intenso, cadenciado, seguido também por minha mão direita. Lá pelas tantas ela virou o pescoço e finalmente me saudou. Notei um sorriso diferente no seu rosto. Gozamos os três quase ao mesmo tempo.
6 comentários:
Eu é que não quero ser servido por esse barman!
Fico feliz com esses diálogos entre microcontos.
Muito bem narrado, parece que estamos olhando também.
EDU: por favor, apague o comentário que saiu com meu e-mail em lugar de apenas meu nome.
Parece um filme e dos bons...
Não sabia até então o que era devotee. Destas coisas sexuais com sotaque francês só conhecia o voyer e tentei casar os dois, aproveitando a deixa de Herculano. Mas pensando sobre o tema, lembrei que o Fernando Mendes, aquele da Menina e sua Cadeira de Rodas, talvez seja um devotee arrependido: "Hoje eu vivo sofrendo e sem alegria. Não tive coragem bastante pra me decidir" . Enfim, quero dizer que tenho uma admiração absurda por sua arte pertubadora. Custou um pouco fazer o texto, mas o comentário de Chorik, que me fez ficar gargalhando um tempão sozinho, não tem preço. Qualquer coisa, é só falar.
digo, arte perturbadora, melhor ainda: pertuяbadora
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