sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O descontrole do animal preso

Tenho medo de Clarice Lispector. Não foram poucas as vezes que eu adoeci quando abri seus livros, devorei suas palavras. Há uns dois meses ganhei de presente "Uma aprendizagemou o livro dos prazeres", confesso que tive receio em começar a leitura, enfrentar esse universo de pérolas, fruteiras e faz de conta.

Ainda estou debilitado pois tenho apenas um dia de parido e as emoções começam a brotar nos olhos, na pele, na voz como brotoeja. Hoje é dia de faxina aqui em casa e demorei a sair do quarto esperando a sala estar livre. Fui ao banheiro e vi meu espelhinho rachado na pia. Ele tem dois lados e eu não entendi porque insisti em me ver pelo lado mais comprometido, me via em dois. Assim como tenho me visto em cena. EU falei, depois desse novo trabalho não serei NUNCA mais o mesmo!

Resolvi escrever dedicatória no livro de Clarice. Não no meuporque aí já seria loucura bastante, mas estou com outro "livro dos prazeres" como uma aliança de casamento.O meu está com dedicatória e eu estava devendo a dedicatória para meu amor. Feito isso, começo a descoberta e logo no início me assustei e parei de ler. Perigava ter febre.

Numa das últimas cenas d'O Corpo Perturbador eu me debato como um bicho enjaulado e sempre busco em minhas memórias corporais situações que me tragam este estado, mas Clarice, como adivinha me escreve e esclarece. Como pode?

"os movimentos histéricos de um animal preso tinham como intenção libertar, por meio de um desses movimentos, a coisa ignorada que o estava prendendo - a ignorância do movimento único, exato e libertador era o que tornava um animal histérico: ele apelava para o descontrole"

Fechei o livro e caí num pranto guardado há dias.

Foto de Igor Souza

5 comentários:

Di disse...

Eta Clarice....eta dia de chuva...
que bom é renascer a partir das vivências...
um espetáculo nascendo, um livro lido, um sorriso, um amor...

"Ao mesmo tempo o ar tem cheiro adocicado de elefantes grandes, e de jasmim adocicado na casa ao lado. A Índia invadindo o Rio do Janeiro com suas mulheres adocicadas. Um cheiro de cravo de cemitério. Irá tudo mudar tão de repente? Par quem não tinha nem noite, nem chuva, nem apodrecimento de madeira na água - para quem não tinha senão pérolas, será que a noite vai chegar? Vai ter madeira enfim apodrecendo, cravo vivo de chuva de cemitério, chuva que vem da Malásia?" do mesmo livro.

Depois de voar e enfim conseguir chorar, tomar o chá com os mortos, você vai sair daquela jaula com uma força incrível que você tem e enxergando que tem, se apropriando. E botar seu corpo no mundo e o bloco na rua!

Avôa!

Anônimo disse...

Eita postagem boa! Fiquei imaginando a tua cena. O homem descontrolado mas ainda assim dentro de si.

karina rabinovitz disse...

quanta coisa grandiosa: o livro dos prazeres, como aliança; clarice conversando com você antes do espetáculo e certamente todo o espetáculo (que perdi...).
fiquei feliz de ter te encontrado aqui com clarice! lembrando esse dia 10, de aniversário dela.
beijo!

Lorena disse...

Amado...ganhamos o livro na mesma época, lembra? Eu já terminei de ler há um tempo...mas ele tem reverberado em alto e bom som dentro de mim. Que livro é esse??? Como pode Clarice falar assim da gente e com a gente? Vou ler de novo, mil vezes. Setenta vezes sete.

Bernardo Guimarães disse...

eu faria a mesma coisa!