Ganhei minha primeira cadeira de rodas quando tinha 13 anos. Tarde para quem desde o primeiro ano de vida convive com as sequelas de uma Poliomielite. Lembro-me dos olhos marejados de minha mãe ao me ver sentado pela primeira vez nesse objeto que se tornaria uma extensão do meu corpo. "Nunca mais vou tê-lo nos meus braços!" Ela chorava enquanto eu descobria um mundo novo, já quebrava um vasinho de louça que ficava na mesinha de centro. Nunca eu largaria aqueles braços, como não largo até hoje. Preciso deles.
Comecei a nomear minhas cadeirashomenageando artistas que eu admirava/admiro, a primeira foi Malu Marley. Malu pelo óbvio, pelo amor que sem pre nutri por Malu Mader. Já escrevi sobre isso aqui no blog. Marley porque, na época, eu fazia aula de violão e uma paixão minha adora Bob Marley. Aprendi a gostar dele e trago esse gosto até hoje. Não rolou a paixão, mas herdei algo de bom. Malu foi amor a primeira vista. Uma cadeira pesada, grande, muito maior do que eu, andava a manivela o que me causou uma lesão no braço direito, mas amor tem dessas coisas. Foi com Malu que entrei na igreja para celebrar meus 15 anos. Foi com Malu que dancei lambada com Leila e Riane. Foi com Malu que descobri os paralelepípedos de Sto Amaro e tanta coisa, principalmente o amor dos amigos que se juntaram para me dar de presente a cadeira.
eu com Malu Marley recitando Castro Alves num evento do NICSA em Sto Amaro
Ainda com Malu Marley lindíssima me guiando para tudo que é canto, minha mãe fez um trabalho somente para me dar uma motorizada Ivete Ranaldi. Ivete Sangalo despontava na Banda EVA e eu apaixonei. Helena Ranaldi eu acho parecida com Ivete e faz meu tipo. Achei que o nome fica lindo. Infelizmente não tenho foto dessa cadeira que era linda, parecia uma moto. O motor ficava na parte da frente e eu podia tirá-lo e andar com a cadeira normal. Não pude aproveitar muito porque minha mãe (que loucura!) tinha medo que eu andasse sozinho na rua, mas comprei um acarajé delicioso com ela.
Cazuza Sinclair que virou a cadeira de Judite e me dá alegria até hoje
Tio Antônio me deu, em seguida, Xuxa Mercury. Eu fui baixinho da Xuxa e me sentia culpado em não homenageá-la. Daniela também teve seu tempo em meu gostar. Xuxa era uma cadeira fina, importada dos EUA, couro azul e bem prateada. Era enorme, mas eu adorava ela. Foi esta cadeira que viveu comigo um Reveillon inesquecível! Infelizmente não achei fotos, mas vou procurar.
Depois chegou a minha preferida: Cazuza Sinclair. Cazuza é meu amior ídolo até hoje. Sinclaír é o nome de um personagem do livro Demian de Herman Hesse. Este livro me ensinou muito sobre o amor. Essa cadeira também. É a melhor dançarina da família. Judite me roubou o meu amor, mas as vezes tiro uma lasquinha. Cazuza também foi presente dos amigos. Vermelhona. Chegou em pleno carnaval. Era ela que me trazia para casa quando eu estava em altas farras com Rita e sem condição de saber para que lado eu ia. Eita cadeira inteligente. Ainda bem que não fala.
Ganhei de Sheu Adriana Velloso, homenagem a Calcanhoto e Caetano. Adriana não ficou muito tempo comigo, porque eu já estava com duas cadeiras e uma outra pessoa precisava mais do que eu. Adriana foi a mais generosa que me apareceu.
Bethânia Maria em performance na França.
Bethânia Maria foi a que mais viajou. Ela chegou a mim com a ajuda de tio Zequinha e pelo espetáculo que fiz junto com muitos amigos no Teatro Dona Canô para conseguir dinheiro para trocar de cadeira. Cazuza já estava dando problemas, estávamos tendo muita DR (Discutir Relação). Bethânia era elegante, dança muito também. Hoje ela pertence ao Grupo X e está vermelha, estilo espanhola, no espetáculo Os 3 Audíveis... Judite, Ana e Priscila.
Judite Piaf numa apresentação com o Grupo X e a Cia Artmacadam. Na foto eu e Iara Cerqueira
Cadeira de rodas é uma pessoa com muita personalidade. Quando ela começa a imbirrar é melhor cortar relações, fazer a fila andar. Com Bethânia Maria foi assim. Quando ela começou a aborrecer, procurei outra. Foi então que na França eu ganhei Judite Piaf. Judite pela minha linda lagartinha que me fez voar e ainda faz, Piaf por causa de La vie en rose. Ela é meu pneu reserva. Se acontece alguma coisa com as titulares, Judite está pronta e linda para me acolher. ELa não se dá muito bem com o clima de Salvador, as pedras, as calçadas horrorosas... ela é francesa e prefere sair quando há muita necessidade, caso contrário...
eu, Tetê Zinha e Fafá em Curitiba
Quando eu cheguei com Judite e Bethânia, as duas procurando confusão, eu decidi procurar um amor novo. Vasculhei nos sites e me deparei com uma modelo Tetê Zinha. Cor violeta, elegantecíssima, educadérrima, não gosta de se exibir, preferiu advocacia às artes. É ela quem me dá conselhos quando eu saio brigando pela acessibilidade ou qualquer outra coisa. É minha filha linda que está, agora, me ditando este texto sobre suas irmãs. Homenagem a uma das maiores cantoras, na minha opinião, Tetê Espindola e a minha vó Zinha.
Se as cadeiras são a extensão de meu corpo eu poderia dizer que elas são as minhas pernas. Ivete, Malu, Xuxa, Daniela ou qualquer outra me desculpem, mas quem há de negar que eu tenho as pernas mais lindas do mundo?
Deixo aqui um complemento para meu texto que é Gonzaguinha cantando Com a perna no mundo. uma música que eu acho minha cara.
"Diz lá pra Dina que eu volto
Que seu guri não fugiu
Só quis saber qual é
Pernas no mundo
Sumiu"
19 comentários:
Não só as pernas, você é todo lindo! bjo e adorei o texto
Du, o menino com as pernas no mundo!
Assim vc nos mata de tanta emocao... Meu amigo, vc e um vencedor, um exemplo de vida!!!! E sua mainha tbm, que cuida de vc com todo carinho e te ama muito!!! Feliz dia das maes para ela!!!
Sua meninas (as cadeiras) sao demais, ja acompanhei algumas delas, em especial Bethania Maria. Amei saber a historia de vida de todas elas, demais!!!
Toda sorte do mundo, amigo!!!
Edu, mesmo de "longe" continuo te amando e admirando a sua arte. Sem palavras...
Só você pra me fazer rir hoje, aqui em Oz!!!! hahahaha...
Adorei lembrar...
alors c'est avec quelles jambes que j'ai eu le plaisir de prolonger mon propre corps. 4 jambes deux mains j'enjambe le corps dansant. beijos
delicia de texto,e as meninas, deliciosas tambem, com seus nomes criativos. já me sinto intimo da sua thurma.
abração.
Oh, amigo, com todo respeito a toda a família, a Adriana é especial! Carregou sua energia linda e pulsante para o mundo, pelas mãos (e pernas) da generosidade... que de mais belo pode haver? Amo!
Muito belo teu relato.
Como permitir que um ser seja assim: Feliz e Leviano????
Sim! Meu amigo, vc é feliz com que DEUS te deu, já diz a musica....
Leviano, sim! Leviano, por tantos amores e codinomes para a extensão do seu corpo???!!!
Enfim, ILUMINADO, é o termo correto, pense...Há alguem aqui com pernas "fixas", que já tenha escrito, idolatrado e declarado seus amores e DRs com suas pernas, "fixas", redondamente fixas??!!
Bjos te amo na alma!
Rose de Paulo
SP
que texto maravilhoso!
Edu, maravilhosas estas histórias de cadeiras, me prometa que vai pensar sériamente ou melhor, verdadeiramente em transformar isso num livro. Parece que estou vendo... todo divertido e ilustrado. beijokas
Katia Silva - a dica do livro é minha esqueci de assinar rsrr
Que bacana conhecer as novelas de suas meninas... voce realmente tem um senso de humor maravilhoso. Gosto sobretudo do modo como voce descreve as situações.
Bj
Ai Tetê....um dia! (hahahaahahahahahhahahahaha)
gente, que musica é essa? A SUA CARA MESMO.
amei o post..cada dia conhecendo mais essa pessoa deliciosa!
Maravilha de texto, Edu.
Eu sou sua fã, vc sabe. Nossos santos bateram desde o início.
OLÁ EDU!
SEMPRE QUE POSSO LEIO OS SEUS MONÓLOGOS NA MADRUGADA, E LEIO NA MADRUGADA MESMO.
SE O SEU TALENTO EM ARTES VISUAIS, JÁ É FANTÁSTICO, NA ESCRITA TAMBÉM ME DEIXOU FASCINADA.
PARA MIM É UMA HONRA TÊ-LO COMO AMIGO.
GGGRRRAANNNDDEEE BEIJO
CONÇA
Mais uma vez, tiro meu chapéu!
Beijos
PS: Tetê é o apelido da minha mãe! hehehehe
Adorei!
Bj
Ando sem tempo para navegar nos blogs por causa da minha cabeça dura, mas, hoje, agora já de madrugada, resolvi gravitar pelos chãos que admiro. O seu blog tem uma dimensão e um talento raro de se ver. Beijo. Bípede
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