O Dia de Finados é uma festa para Ana, a portuguesa espevitada com boca borrada de batom da feirinha lá do bairro. Nesse dia ela se veste especialmente para a ocasião: coloca cravos roxos e vermelhos na cabeça, véu negro, veste-se em luto sem jamais esquecer o sapato vermelho de verniz bico fino. A alegria de Ana se justifica porque ela é a florista mais antiga da feira, eternamente apaixonada pelo Japa do pastel da barraquinha ao lado que nunca correspondeu ao seu amor porque já tem um dentro de casa.
A portuguesa baixinha veste-se espalhafatosamente e vive cantarolando músicas de homem frouxo para o Japa que apenas ri da maluquice da vizinha.
Ana já se acostumou com umas judites que aparecem em suas flores, outras ela joga fora, mas afirma manter algumas porque sabe a importância futura das borboletas que essas lagartas se transformarão. Conversa com todos os clientes como se fossem amigos íntimos e sempre convida Priscila, “aquela” que Ana não sabe se é “aquele”, para o bailinho de fim de tarde dominical. Lá a florista se esbalda e é sempre a última a sair, mas nunca sozinha. Apaixonada sempre, mas não morta, como ela mesma repete.
Ana é toda assanhada, fala alto, conta piada e gesticula para esconder seus medos de elevador, de escuro, de altura, de solidão.
Ontem teve uma surpresa, o Japa do pastel ofereceu-se para ajudá-la a carregar as caixas de flores, pois ela cambaleava com o bico fino na calçada arrebentada. Orgulhosa como que, disse que não precisava,agradecia a gentileza, mas preferia evitar confusão. O homem insistiu e carregou as caixas para Ana. No meio do caminho o pasteleiro fez um texto de despedida para a pequena, dizendo que sentia muita felicidade em tê-la conhecido, que aqueles anos todos de convivência tinham sido muito divertidos, mas a crise o obrigava a voltar para sua terra, onde a família o esperava com um emprego mais garantido.
A mulher não soube o que responder, havia criado um roteiro de filme para aquela situação, cena de amor em meio a flores espalhadas pela sala, beijo com trilha sonora, declaração e agora não sabia o que dizer, sentiu não ser Finados para chorar fingindo um motivo real. Caminhou o percurso inteiro sem dizer uma palavra. No portão de casa, chave tremendo na fechadura, ela olhou nos olhos daquele senhor como nunca faz com ninguém (Ana não consegue encarar as pessoas) e com a vozinha fina, estridente, de quem quer chorar, disse apenas:
- Eu falei para você não vir!
* Foto de Edu O. na feirinha de Curitba da barraca "Fiori di Legno"
* Este título foi criado por Fafá Daltro, para uma coreografia do Grupo X de Improvisação em Dança e a personagem Ana entrou, mais tarde, no espetáculo "Os 3 Audíveis... Ana, Judite e Priscila". Escrevi este texto baseado nas inspirações da personagem dos espetáculos.
5 comentários:
Oi, Edu! Adorei a história de Ana com seu batom borrado, seus cravos de defunto e o Japa do pastel. rs Bj
Que lindo, Edu. Adorei.
Estou rindo até agora, viu???????
Quantas Anas, judites e Priscilas tem no X???????????
Seu texto é maravilhoso, meu lindo!!!!!!!
Adorei!!!!!!!!!!!!
Que linda estória de amor não correspondido!
Bj,oto,tchau
Nossa...me perco aqui na madrugada.
Na minha mente estavam todos os detalhes...
Eu vi Ana.
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