Almada Negreiros, (7.4.1893-15.6.1970), Portugal.
Ergo-me Pederasta, vaiado por imbecis,
Divinizo-me Meretriz, ex-libris do pecado,
Sou raiva de Medusa e danação do Sol.
Ladram-me a vida por vivê-la e só me deram uma,
Uma, agora, quero vivê-la, Narciso do meu ódio,
Ódio de um último instante de condenado inocente.
E tu, tu que te dizes Homem,
que inventaste as ciências e as filosofias,
as políticas, as artes e as leis,
e que aperfeiçoas a arte de matar,
Tu, que descobriste o Cabo da Boa Esperança,
o caminho marítimo para as Índias
e as duas grandes Américas e que levaste a chatice a estas terras
e que trouxeste de lá mais chatos praqui
e que ainda por cima cantaste esses feitos,
Tu, que inventaste a chatice e o balão
e que farto de te chateares no chão te foste chatear no ar
e que ainda foste inventar submarinos
pra te chateares também debaixo d'água.
Tu, que tens a mania das invenções e das descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto (chato)
e que nunca inventaste a maneira de não o ser.
Tu consegues ser cada vez mais besta, besta
e a este progresso chamas de civilização.
Tu e eu, eu aqui, sepultado vivo, Mendigo de mim próprio,
sem condições de fazer fortuna porque Deus, por escárnio,
me deu inteligência, irmãs feias e uma mãe que jamais se venderá
por mim.
Pois bem, pústula, obeso e rotundo sanguessuga,
quanto mais penso em ti, mais creio que Deus
perdeu de vista o Adão de barro
e, com pena, fez outro de bosta por lhe faltar barro e
inspiração.
Enquanto esse Adão dormia, os ratos roeram-lhe os miolos
e de suas fezes, nasceu a Eva burguesa.
Deles, nasceste tu, e em toda parte teu papel é admirar
mas nunca acertas numa admiração feliz
porque teus desejos são avaros como as tuas unhas sujas e ratadas
e os homens são na proporção dos seus desejos.
Não te cora ser grande o teu avô
e tu, apenas o teu neto, e tu, apenas o seu esperma?
Não te dói Adão mais que tu?
Não te envergonha o teres antes de ti outros maiores que tu?
Jamais eu quereria vir a ser um dia o que o maior de todos já o
tivesse sido,
eu quero sempre muito mais
e mais ainda, muito pra além desse infinito.
Tu não sabes, meu bruto, que nós vivemos tão pouco
que ficamos sempre a meio caminho do Desejo?
A terra vive desde que um dia deixou de ser bola do ar
pra ser solar de burgueses.
Existiram homens de talento, gênios e imperadores.
Cansou-se o mundo de estudar e os sábios morreram velhos,
fartos de procurar remédios e nunca acharam o remédio de parar.
E à beira do século XXI, eu vivo farto de ver desfilar burgueses
trezentos e sessenta e cinco vezes ao ano,
vinte e quatro horas de chatice,
sessenta minutos de tédio,
sessenta segundos de mediocridade...
Merda para os homens de todos os tempos
merda para a civilização e para a cultura,
merda para a arte e a ciência!
Eu queria poder, como tu, sentir a beleza de um almoço pontual
e a felicidade de um jantar com as bestas da família.
Eu queria, como tu, sentir o bem-estar que a imbecilidade dá,
Eu queria, como tu, viver enganado da vida e da mulher,
sem o prazer doloroso de ser inteligente.
Eu queria, como tu, ignorar que os outros não valem nada
para poder admirá-los, como tu.
Eu queria que a vida fosse tão divina quanto tu garantes que é.
Eu te invejo, pedaço de cortiça a boiar na superfície
sem nem desconfiar da profundidade do mar.
Olha para ti, olha,
se não consegues te ver, concentra-te, procura-te,
encontrarás primeiro o alfinete do terno,
então, espeta-te nele para não te perderes de novo,
e agora, observa-te.
Quieto,
não te odeies ainda, que ainda nem começaste.
Vês? É o horror! É o horror!
Mas, talvez tenhas saída. Sim, talvez tenhas.
Larga a cidade e foge!
Larga a cidade.
Larga a casa, foge dela, larga tudo!
Nem te prendas com lágrimas que lágrimas são cadeias.
Larga a casa e verás: Vai-se o pesadelo!
Mas larga tudo, tudo,
os outros, os sentimentos, os instintos
e larga-te a ti também, a ti principalmente!
Larga tudo e vai para o campo,
e larga o campo também, larga tudo!
Põe-te a nascer outra vez! Não queiras ter pai nem mãe,
não queiras ter outros, nem inteligência.
Já h inteligência demais (não vês?), pode parar por aqui.
Depois, põe-te a viver sem cabeça,
v só o que os olhos virem,
cheira os cheiros da terra, come o que a terra der, bebe dos rios
e dos mares, lambuza-te de natureza.
Pústula! Tens medo! Nem vives, nem deixas os outros viverem,
crápula... Hás de pagar-me!
Hei de ser a cigana de tua sina, hei de ser a bruxa do teu
remorso,
e mais que isto, verme, hei de ser a mulher que desejas, hei de
ser ela sem te dar atenção.
Um comentário:
Li no Mínimo Ajuste.
Bárbaro, Edu.
beijoss
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