quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Gato preto

Chorar foi a primeira coisa que lembro de ter feito

Antes mesmo de ver o sol,

Ouvir tua voz no meu ouvido

Ou sentir um beijo-carinho na minha testa

Chorei, talvez, pressentindo o meio dessa história

Meio, sim! Pois ali foi o começo,

E agora não estou propriamente no fim

Caminho para ele, mas acho que falta ainda um pouco

Aliás, lembro-me que chorar

Não foi a primeira coisa que fiz

Falaram-me que eu doí

Então doer foi a minha ação original?

É, eu doí muito!

Talvez tenha chorado de dor

Parado aqui nesta rua, esta claridade me dói!

Lembro que quando saí do escuro pela primeira vez

E descobri a luz, me assustei!

Eu que já doía, juntei o susto e chorei.

Então por que choro agora?

Se já sou acostumado com a luz

E as coisas já não me doem tanto!

Estou apático, chorando!

Não concordo com o meu direito à vida

Ninguém teM o direito de fazer a vida doer

E eu dou a minha vida

Eu corto, dopo, passo fome, drogo, risco, mal digo minha vida

Ela, coitada, que é tão inocente quanto eu!

Ela que também não sabia que ia nascer!

Ela que nem tem consciência!

Ah! O problema é dela!

Ela que fique esperta!

Acorde antes de atropelá-la!

Não bebo há duas semanas e meu fígado sente falta,

Está de mau humor

Falo isso porque vejo aqui no canto, um resto de cerveja quente

Minha vida diz para eu não tomar

E eu tenho impulso de desobedecê-la

Corro para pegar,

Escorrego, caio e derrubo o copo

Lá se vai a última gota do que eu queria

Vai direto pra boca de um imbecil cachorro que lambe o chão

Quase dou um ponta-pé nele,

E me abaixo para lamber minha cerveja

Mas tenho medo da morte,

Tenho medo de dentes

Roendo as unhas quebrei um canino.

Por que os cães não quebram os dentes?

Todos neles são caninos, né?

Eu que só tinha dois, fiquei com o canino esquerdo

Posso mordê-lo, seu quadrúpede, com o esquerdo

E aí será de igual para igual

Dizem que cachorro faz companhia ao homem

Faz uma “uma companhia retada!”

Só se for para os idiotas

Que não sabem viver fora do seu próprio eixo, seu umbigo

Que não se interessam pela história dos outros

Nem querem ouvir verdades quando desabafam

Para o irracional que abana o rabo e faz festa

Como se a pessoa tivesse acabado de contar uma piada

Oh! Bicho burro é cachorro!

Odeio gatos, mas eles tem isso de bom:

Não se aproximam nem quando você está bem

Nem quando se debulha em lágrimas

Você que amadureça resolvendo seus problemas sozinho!

Ele só quer sua comida e o conforto do seu sofá

Perdi um gato há duas semanas

Cansou de minha comida e caiu da minha cama

Tinha pêlos demais, era preto meu gato!

Os olhos assustadoramente amarelos!

Uma elegância comum em todos os gatos,

Mas como era o meu, eu achava o melhor, o mais bonito

O lombo exageradamente macio

E o rabo sempre entrelaçado em mim

Gato preto!

Volta gato “feio”!

Gato traidor!

Seu arranhão me dói!

Você me deu azar e todos me alertaram para isso

Não dei ouvidos, pois você era mau talismã

Ah! Esse cachorro me lambendo!

Parece a solidão sentada aos meus pés se apoiando em meus joelhos

Solidão imbecil! Claridade imbecil!

Bem no meio da histórias parece que acabo de nascer

Primeiro me dói e agora começo a chorar em plena luz

Deve ser porque no escuro eu me iludisse,

Pensando estar escondido no abraço de meu gato preto

Quem acendeu esse sol, favor desligar!

2 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Um monólogo que, dito em voz alta, deverá ficar ótimo!

Eliana Mara Chiossi disse...

Quem acendeu essa lua, favor apagar também...