Bem feito
Quem mandou vir?
Eu que nunca ouço ninguém
Nunca sou procurada
Nunca faço nada demais
Hoje inventei de cair na cilada
de atender aquele telefone,
De me queixar para a louca da Éster
E de ouvi-la me mandar sair
“Você tem que ir para a rua,
Isso que você está sentindo
É porque vive presa em casa
Envelhecendo com os livros
Enlouquecendo com a tv”
Inventou que eu tinha que me enfeitar,
Sair, paquerar, arrumar alguém
Por um instante me faltou personalidade
Escutei essa loucura
E agora estou aqui
Sofrendo nesse teatro cheio
Eu vazia, sozinha, constrangida
Achando que todo mundo me julga
Percebendo minha solidão
Na verdade ninguém me notou
Só uma, duas ou três pessoas me olharam
E escreveram no olhar:
“Coitadinha, não tem nenhuma companhia!”
“Oh, aquela veio sozinha! Que desespero!”
Se é que não criticaram minha roupa,
Meu cabelo, maquiagem
A roupa é novinha, nunca usei
Comprei há três anos
Esperando uma oportunidade de sair
Que não fosse ir ao supermercado, farmácia ou padaria
Qual o problema de usá-la hoje?
Está realmente um pouco démodé
Muito composta, meio fechada...
Já que no desfile que aqui acontece
É um tal de rasgo de saia lá em cima
Um tal de decote de blusa cá em baixo
Não gosto!
Moda para mim é roupa
E não a falta dela
Ai! Eu não sei para que fui calçar esse sapato!
Ai meus dedos!!!!
Vou sair daqui mancando
Será que só eu saí sozinha, meu deus?!
Se tivesse alguém comigo
Não pensaria tanta besteira
Não iria decorar quantas saídas de emergência possui o teatro
Nem contaria as poltronas
Muito menos tomaria nota da vida dos outros
Sabe uma coisa que andei percebendo e não entendi direito?
É que as pessoas andam em bandos
Essa turma, por exemplo, veio em cinco
Praticamente uma multidão
Se começassem a cantar um samba-enredo
Seria uma Escola de Samba
Deus me livre!!!
Odeio aglomeração perto de mim
Ou então só vem casal
Olha quantos!!!!
Aquele ali não pára de se beijar!!!
Hummm! Há quanto tempo não sinto alguém
Acariciando meu rosto,
Beijando minha boca, orelha, pescoço
Me apertando de encontro ao seu corpo num abraço
Ahhh! Fico sem ar só de pensar!
Gente!!! O que é aquilo!
E agora, será que eu estou sonhando? Enlouquecendo?
Não gente, eu estou vendo!!!!
Quem é aquele?
Ele está sozinho?
Não é possível!!!
Um homem desse! Que elegância!
Ai meu Deus, está vindo para cá!
E não tem ninguém atrás dele
Será que vai sentar ao meu lado?
O que é que eu faço, hein?
Ele vai ter que pedir licença,
Mando pular ou levanto?
Ahh! Passou!
Nem me viu
Ahh! Vai sentar bem na minha frente!!!
Ihhh! Usa brinco, é veado!
Só pode ser!
Que sorte a minha, né?
Não, não é não
Não tem jeito nenhum
Puro preconceito meu
Espero que não
Ele está sozinho mesmo
O que é que eu faço?
Pergunto as horas?
Mas eu estou de relógio
Pergunto que perfume é esse?
Aiii, cadê a Ester?
Já sei vou espirrar alto
Será?
Atchim
“Ai meu deus, será que essa mulher vai espirrar o espetáculo inteiro?”
Nem virou, só uma olhadinha para o lado
Olha para cá, criatura!!!!
Vou espirrar de novo
A T C H I MMMM
Agora olhou
-Você está gripada?
-Não, é o ar-condicionado, alergia. Desculpe.
Droga! Virou sem me desculpar
Nem desejou saúde!
Burraaaa!
Fiz tudo errado
Olha, está se virando de novo!!
Vou sorrir, vai falar
-Eu te conheço de algum lugar
*Texto de abertura do espetáculo "ACEITO" de meu amigo Clênio Magalhães
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