sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Contra a homofobia

Este post é grande como grande ainda é o preconceito que causa tanto constrangimento e dor. No carnaval, onde esses ídolos fabricados têm tanta responsabilidade perante o público, é bom que façamos uma reflexão sobre quem queremos que sejam nossos representantes, mesmo que seja na folia. Neste período há muitos casos de mortes por homofobia e os "machos" que comem os "menos machos" se acham no direito de matar porque estes últimos lhes satisfazem o desejo enrustido, mas revelado (desculpado) em alguns goles de cerveja.

CARTA ABERTA À CLÁUDIA LEITE
por Toni Reis

Claudia Leite, sou Toni Reis, 44 anos, paranaense, moro em Curitiba. Sou Gay, sou casado com meu marido David Harrad há 18anos e sou muito feliz e realizado como profissional e pessoa. Atualmente, sou presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) que é uma entidade nacionalque congrega 203 organizações afins, o que reflete parte da minhatrajetória, mas neste momento, quero fazer um depoimento pessoal.

Claudia Leitte, gostaria de dizer que amo você pelo talento comque você se expressa. Seu repertório, sua alegria de viver quepara passa mim. Sou seu fã de carteirinha. Simplesmente adoro você eademais você é linda.Com relação à sua entrevista sobre a nossa questão na qual vocêdisse "Eu adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja macho" e seumarido Márcio Pedreira, completou. "Deus me livre (do filho ser gay). Eleserá bem criado".

Quero dizer que fiquei muito decepcionado com a noção errônea de que éa criação que faz com que alguém seja gay, ou não.Tudo isso me fez lembrar o que aconteceu comigo quando, aos meus 14 anos,falei para minha mãe: "Mãe, sou gay."Quando falei para minha mãe e minha família, todos e todasficaram chocados e tentaram durante seis anos da minha vida (oque foi um inferno na terra) me "curar" de todas as maneiras.Levaram-me para a Policlínica da cidade de Pato Branco e pediram paraser examinado por um médico, achando que eu tinha um problemamédico. Mas o médico falou que eu não tinha um problema de saúde, e quehomossexualidade não é doença, e me encaminhou para uma psicóloga. Elatambém me falou que a homossexualidade não constitui doença, nemdistúrbio e nem perversão. Na verdade, ela estava bem à frente do seutempo, visto só foi em 1999 que o Conselho Federal de Psicologia baixou umaresolução que entre outras determinações, estabelece: "os psicólogos nãoexercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos oupráticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientarhomossexuais para tratamentos não solicitados.

"Mas, não contente, minha família Católica, que bem me criou, pediupara eu falar com o falecido padre da nossa cidade de Quedas doIguaçu , e o mesmo pediu para eu me afastar do Encontro Vocacional eda Santa Comunhão, até que eu me curasse do "pecado nefando". Pediuque fizesse uma novena para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,que eu me curaria, mas se eu tivesse uma recaída, era para voltarao primeiro dia. Tive várias recaídas, afinal a orientação sexualde um pessoa não é escolha e tampouco opção. Eu simplesmente era gay.Tive que voltar várias vezes ao primeiro dia da novena, que játinha virado uma quarentena.Não contentes, minha família e meus amigos me levaram para a igrejada Assembléia de Deus para receber benção. Mas não deu certo.Levaram-me para um centro espírita e o pai de santo me falou quetinha a pomba-gira. Fizemos "os trabalhos", mas não deu certo.Fizeram de tudo para me "curar". Por último, tomei xaropes comamendoim e tudo mais para que fosse "macho", mas não deu certo.Como meu irmão disse depois, sou macho por ter assumido logo cedoo que era. Aos 20 anos, me deram a derradeira última possibilidade:era tomar leite de colostro de égua para me curar.

Felizmente, não deu certo.Hoje estou aqui, bem criado, como especialista, mestre e doutorando,e feliz e realizado com meu marido. Minha mãe, depois de tudo queaconteceu na minha adolescência, em 1996 se propôs a casar com meumarido (que é estrangeiro) para que ele pudesse ficar no Brasil,comigo. De total fundamentalista, minha mãe se tornou uma grandecompetente cultural. Acredito na mudança de pensamento das pessoas.Falei um pouco de mim.

Quero que entendam, Cláudia e Márcio, que a homossexualidade não é tão simples que se possa dizer "eu quero quemeu filho seja macho ou fêmea." Não é uma questão de educação.Não é uma questão de religião, mas sim uma questão de ser. E como dizia Aristóteles, a finalidade da vida é ser feliz.

A partir da minha experiência e algumas leituras, nestes 25 anos deminha militância na comunida LGBT, sempre quando acontece qualquerdepoimento ou ação contrários aos homossexuais, procuro classificar em oito etapas da competência cultural de cada um, que é uma escala, da maishomofóbica à situação ideal que queria.1) A situação mais homofóbica é a nazista, que mata o outro porser diferente. No Brasil temos muitos casos. Segundo o Grupo Gay daBahia, são 2.800 caso de assassinatos. Hoje no mundo, ainda há setepaíses onde há pena de morte para os homossexuais.2) Depois, vêm os fanáticos, que morrem por sua causa. Hoje nomundo, há 83 países que criminalizam a homossexualidade.3) Depois, há o fundamentalista que fala que como está escrito na Bíblia(ou outro livro sagrado) que somos pecadores, mereceremos sercurados. No Brasil, os fundamentalistas são nossos piores adversáriospara aprovação das leis que protegeriam nossos direitos. São estesreligiosos fundamentalistas, que no nome do deus deles, nosdiscriminam, incentivam a violência e fazem oposição aos nossosdireitos.4) Depois, os preconceituosos que não entendem nada dahomossexualidade ou têm informações distorcidas, se utilizando deestereótipos e falando mal da nossa comunidade e contra nossosdireitos.5) Depois vêm os tolerantes que não nos aceitam, mas convivem, no intuitode nos mudarem, se pudessem.6) Em seguida há as pessoas que nos respeitam. Não chegam a nosaceitar, mas respeitam nossos direitos e nossa forma de ser.7) E depois as pessoas que nos aceitam como seres humanos e comocidadãs e cidadãos.8) E por final, há as pessoas que são competentes culturais. São aspessoas que não discutem a nossa situação, simplesmente convivem.Afinal, o fundamental é viver.

Cláudia, nessa escala, acho que você está entre uma pessoa tolerante e uma pessoa que nos respeita. O que você acha? Claudia Leitte, gostaria muito que você se pronunciasse a favor doProjeto de Lei da Câmara nº 122/2006, que criminaliza a Homofobia ea iguala ao racismo.Claudia e Márcio, quero que seu filho ou sua filha seja muito feliz,que tenha muita saúde, independente da orientação sexual ouidentidade de gênero. Se tiver seu talento, será maravilhoso(a). Ou não.

Toni Reis

3 comentários:

Anônimo disse...

Ola Edu!
Saudades..

Dê uma olhada neste post de uma mulher que admiro muito!
O titulo do post chama-se " Meu filho me pediu uma boneca", apartir daí vc ve a atitude ilustre de uma mãe e tanto.

Este é o link: http://denisezinha.blogspot.com/2009/01/meu-filho-me-pediu-uma-boneca_03.html

bjos

Rafael Romano

Janaina Amado disse...

Edu, muito bonita a carta do Toni Reis. O assunto é importante, urgente, e precisa ser discutido. Gostei do post.

miro paternostro disse...

quem é Claudia Leite? e se ela própria diz querer que o filho seja "macho" de verdade, ela é sim, digna de muita pena!!!