domingo, 26 de julho de 2020

A mesa de café

Não lembro de ter tido um dia na vida em que a mesa de café não estivesse posta, pronta a todo momento. Quente-frio sempre cheio, torradinhas finas feitas na faca velha, amolada em pedra do quintal, bolachinha cortadeira no pote, manteiga, leite em pó e açúcar. Quatro cadeiras ao redor da mesa de madeira preta bem grossa talhada. Os passos pequenos no corredor, tateando a parede de olhos cegos, bebendo chá mate pensando ser café, mergulhando as torradas no líquido quente, chupando o caldo que escorria pelo queixo.
O outro vinha com carinho, limpando o rosto com guardanapo, arrastando também os pés cobertos de meia, enfiados numa sandália de couro velho, sentava do outro lado da mesa e tomava seu café, olhando para aqueles olhos que não mais o exergavam. Ela aguardava ele anunciar o fim da refeição e seguiam juntos para o sofá onde descansavam um pouco antes de dormir.
Os mais novos chegavam tarde e completavam a mesa que já estava vazia sem eles. Ainda hoje é assim... a mesa continua vazia, sem os mais velhos, sem os mais jovens, na esperança de um dia alguém gritar na grade pedindo para abrir a porta que não abrirá nunca mais. Nunca mais. A casa foi vendida com tudo dentro, inclusive com eles que não estavam mais ali.
A minha vó Zinha, meu avô Ismael, à criança e adolescente que fui quando tinha a sua companhia, à minha cidade Santo Amaro que parece também não estar mais ali.
#pracegover: Na imagem quadrada, 3 fotos: Edu bebê de fralda, brincando no canteiro central de uma rua; atrás de uma pilha de livros foto de Edu adolescente com o avô sorrindo em frente a uma janela azul aberta; avó Zinha em pé numa igreja com vestido azul escuro, cercada de pessoas.

Republicação de um texto postado no blog em 03 de julho de 2011


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