Para não ter do que lembrar quando ela partisse, decidiu afrouxar os botões da camisa engomada. Começou a se despedir sempre de forma diferente e a despetalar algumas flores do vaso. Mudou os móveis de lugar e para nunca mais haver o lugar dela, em cada refeição brincavam de ciranda ao redor da mesa. Às vezes, sentava no chão, em cantos distintos da sala. Buscava meios de alterar a hora do sono, a luz da escrivaninha, o sabor do café, a cor da caneta, o molho da salada. A sopa da noite passou a frenquentar o almoço e a fazer surpresas no desjejum. O banho podia se dar no quintal ou esfregando toalha pelo corpo e até em jato de mangueira na garagem. A casa foi ficando vazia e com mais portas do que ele havia percebido em todo este tempo em que habita o lugar.
Um dia, já sem ela, perdeu-se no labirinto de portas sem identidade que compõem o ambiente. Ele que sempre se interessou por fechaduras de portas abertas, não sabia, agora, o que abrir e mesmo sem algo específico que o fizesse lembrar dela, era impossível não chorar com a música que não saía de sua cabeça. E há tempos não consegue parar de bailar no salão da casa de cadeados trancados.
foto Edu O.
Um comentário:
Que bom que Monologos voltou. Estava fazendo falta. E voltou com tudo! Forte, sensível e belo.Bjs
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