segunda-feira, 12 de março de 2012

Carta-resposta a comentários preconceituosos de Aninha Franco acerca do palhaço e da deficiência

Caros amigos,

No último dia 01 de março, a dramaturga e colunista Aninha Franco inescrupulosamente postou em seu perfil do Facebook a seguinte atualização, onde se dispôs a criticar o projeto "Muito prazer, eu sou palhaço". Seguiram-se uma série de comentários seus e de seus amigos virtuais chamando a proposta de oportunista, tratando o palhaço de forma pejorativa e, principalmente, a deficiência intelectual de forma discriminatória, preconceituosa e excludente. 

Por favor, compartilhem entre seus contatos, para que alguém como Aninha Franco não se sinta do direito de julgar e criticar o que desconhece e tecer comentários preconceituosos deste calão sem qualquer senso ético.

Laili Flórez.

Segue abaixo o link de sua atualização e a minha resposta.

Aninha Franco,

Escrevo em resposta ao post publicado no dia 01 de março no seu mural pessoal do Facebook, a respeito da oficina de palhaço para adultos com deficiência intelectual.

Primeiramente, uma vez que a integridade, o valor e os objetivos do projeto foram claramente questionados e criticados, permita-me esclarecê-la do que você pensa saber estar falando.

Sou Laili Flórez, coordenadora do projeto e professora ao lado de Renata Berenstein de Azevedo. Eu sou formada em Licenciatura em Teatro (UFBA) e estou no último período do Mestrado em Artes Cênicas (também pela UFBA). Trabalho enquanto professora e palhaça desde 2004 e neste campo de atuação cênica destino-me principalmente à palhaçaria de rua. Iniciei minha pesquisa sobre palhaço e deficiência intelectual em 2006, quando comecei a lecionar voluntariamente no Instituto Pestalozzi da Bahia. 

Renata Berenstein é psicóloga, atriz e palhaça e desde 2008 desenvolve um trabalho (igualmente sério) de teatro com usuários do serviço de saúde mental, uma referência no tratamento de portadores de transtornos mentais na cidade de Salvador, projeto do qual eu faço assistência desde 2011. Ela é minha parceira no projeto "Muito prazer, eu sou palhaço!" e assina, além da co-facilitação das aulas, a mediação do grupo.

O projeto ao qual você se referiu, Aninha Franco, não foi criação oportunista para se aproveitar de verba pública. Ele começou em 2006, foi tema de conclusão de curso, é meu tema da dissertação de Mestrado e se manteve ativo e totalmente sem incentivo financeiro (do setor público ou privado) até o final de 2011, quando foi contemplado com o edital de Demanda Espontânea do Fundo de Cultura e o Prêmio FUNARTE/Petrobrás Carequinha de Estímulo ao Circo. A oficina realizada à qual você se referiu em um dos comentários não foi realizada no Vila Velha, mas no Espaço Xisto Bahia. Ela aconteceu através de cessão de pauta para as oficinas de verão do espaço, foi gratuita (assim como todas as atividades do projeto do seu início até hoje) e não teve nenhum tipo de apoio financeiro. São até aqui seis anos de um trabalho sério, com objetivos sérios e resultados sérios, reconhecido academicamente e, agora, premiado nacionalmente.

A oficina que começa nesta segunda-feira 12 de março criticada em seus comentários virtuais é a primeira das seis ações que estão previstas para este ano e visam três diferentes grupos: deficientes intelectuais, portadores de transtornos mentais e familiares destes dois primeiros. A verba adquirida do Fundo de Cultura custeará as três primeiras oficinas e o prêmio da FUNARTE financiará as três últimas. Serão 180 horas de trabalho apenas em sala de aula.

Ao contrário do que foi sugerido nos comentários abaixo do seu post, essa oficina não tem o caráter excludente de limitar a associação da figura do palhaço à pessoa com deficiência intelectual, mas apenas destinar um curso com metolodogia especificamente preparada para trabalhar com tal grupo. Eu não compartilho desta idéia e é imaturo distorcer esta proposta a este ponto. Eu, por exemplo, facilitarei uma oficina de comicidade para mulheres em nome do grupo Nariz de Cogumelo e me pergunto se eu serei bombardeada pelos seus amigos virtuais e por você com o infeliz questionamento "se só a mulher pode ser cômica". Acreditamos, Aninha Franco, que palhaços somos todos. Ou poderíamos ser. Eu, você. Basta aceitarmos o lado ridículo que todos temos e assumi-lo com humor. 

Agora vamos ao motivo que me levou a responder suas palavras.

Foi surpreendente constatar o caráter discriminatório e excludente a que foi levada a discussão iniciada e alimentada pela sua pessoa. A figura do palhaço foi tratada de forma pejorativa e a pessoa deficiente intelectual foi claramente comparada com os políticos de nossa cidade, numa atitude de associar diretamente a deficiência intelectual à incapacidade de gestão pública, corrupção e desonestidade. Questiona-se a decisão de um edital de cultura apoiar este projeto, alegando-se que os "eficientes estão sem emprego", como se a cultura e a arte só devesse ser destinada para aqueles que não apresentam deficiências.

Em outro momento, a senhora escreveu as seguintes palavras: "Aliás, que objetivo pode ter a destruição da cultura? Só deficientes intelectuais são capazes de tal coisa". Eu acho que, a este ponto, é desnecessário tecer algum comentário a esta preconceituosa, discriminatória e gravíssima afirmação. 

A senhora, como artista, pessoa pública, colunista em jornal de circulação estadual, deveria tomar os devidos cuidados e pronunciar-se de forma mais ética a respeito do palhaço e da deficiência e entender de uma vez por todas que atitudes que compartilhem cultura, arte e/ou palhaçaria à pessoa deficiente não representam uma afronta às políticas públicas em cultura, nem descaso com a classe artística, mas uma oportunidade de democratizar, incluir e valorizar a diferença.

Este e-mail será repassado a pessoas da classe artística, educadores, psicólogos, associações, instituições de atendimento à pessoas deficientes e para palhaços e palhaças, para que seja divulgada a sua atitude juntamente com o link de seu post (que já está salvo em print screen).

Espero, senhora Aninha Franco, que esta carta de ajude a repensar seus impulsos em criticar projetos dos quais não conhece absolutamente nada e, acima de tudo, não se pronunciar preconceituosamente no futuro para/com a palhaçaria e a deficiência.

A palhaçada é séria e digna.

Laili Flórez.