Agora, que chegaste à idade avançada
de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o
sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido
na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a
ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas,
inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas
chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode
responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a
verdade Dinah, já comeste um morcego?"
Não te espantes quando o mundo
amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por
ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é lugar-comum de
cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão
entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual
seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja
mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que
inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do
poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que
ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas
humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma
porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria.
Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela
grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho,
ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas
que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de
bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao
próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your
pardon" Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te
digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de
vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gato se
fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida,
Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional,
nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até
marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições
tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não
é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os
atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida
terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida
se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te
preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre
onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "A minha
história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a
terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as
vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam
romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente,
dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um
romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida
de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e
mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar.
Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais
tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não
te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de
novo" Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta a parábola perfeita: Alice
tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo.
Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário
também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim:
o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É
isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida
uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que
parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem
disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado
de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre
meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor`.
Toda a pessoa deve ter três caixas
para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a
gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente
precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti
mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões.
Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou
de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos,
em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as
grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às
vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal
complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu
feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter
chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas
próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a
sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de
nossa dor, Maria da Graça
2 comentários:
" Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?"
Um texto que provoca muita emoções
" Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?"
Um texto que provoca emoções
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