Para não esquecer que sou
água, há uma semana tenho chorado mais do que vinha chorando emocionado com
trabalhos artísticos. Não que eu tenha me endurecido e não me emocione mais com
coisas que assisto, mas, ultimamente, coisas me tocaram num ponto que trisca a desesperança.
O filme "Eles não Usam
Black-tie" me comoveu deveras pela atualidade do seu discurso, pela beleza
de suas imagens, pelas atuações, por ver a merda em que estamos atolados há
tanto tempo. Soluçava como criança que espera o retorno da mãe. Outra cena que
me levou às lágrimas foi o texto (e a interpretação de Fernanda Montenegro) de “O
Auto da Compadecida", na cena do julgamento de João Grilo. O mundo está mesmo
complicado e difícil, por isso quando vejo cenas de extrema beleza, eu choro.
Mais uma vez... Acabei de
receber de uma amiga um trecho de um texto de Clarice Lispector e mais uma vez
fui afetado pela beleza e pela dor. Uma dor inexplicável, simplesmente dor. E
tudo por eu não estar mais distraído.
“Havia a levíssima
embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um
pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles
respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria
água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar
matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa
de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça,
mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água
deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam
estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não
quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros.
O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via
que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava
ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais
com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção,
só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e
duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque
quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando
distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta
chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os
fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos." (Clarice Lispector –
livro: Para não esquecer)
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