terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Marilza Oliveira

Sempre falo que minha linha do horizonte são os umbigos bípedes. Sentado na cadeira, meu ponto de vista - prioritariamente - é a parte inferior dos corpos adultos andantes. Quem me olha, olha de cima e isso, provoca - talvez, semioticamente falando - superioridade e a mim, para essas pessoas, submissão. Se elas não se abaixam, meu olhar é como de menino pidão, de alguém inferior. Isso pode explicar, um pouco, a relação que se estabelece sobre as pessoas com deficiência. Não sei se existe algum estudo a esse respeito, nem se essa minha percepção está correta. Enfim…
Raramente vemos um bípede tentar deslocar seu olhar, ver o mundo sob uma outra perspectiva. Tão acomodados em seus padrões e suas opressões. Por essa razão, ver Marilza experimentar sua Dança com tentativa de outra corporalidade é revelador.
Marilza Oliveira, todo mundo deve conhecer, é uma referência na Dança Afro Brasileira, artista, pesquisadora, primeira mulher negra a se tornar professora efetiva, concursada, na Escola de Dança da UFBA, depois de 60 anos de fundação dessa instituição. Nosso concurso foi na mesma época - 2016. Lembro que, nesse momento, a Escola de Dança atraiu os olhares de muitas pessoas, da mídia, de outras instituições porque além da primeira professora negra, aprovada para ocupar a cadeira de Danças Populares com ênfase em Danças Afro-Indígenas, aprovava também o primeiro professor cadeirante. Sem dúvida, é um marco e “um salto civilizatório” como sempre afirma Profª Dulce Aquino. Desde então, eu e Marilza percebemos - mesmo dentro de todas as diferenças entre nossos trabalhos - muitas identificações que nos aproximavam.
Por isso, Marilza foi a primeira pessoa que pensei para mediar o bate-papo que se seguiria após a Oficina Dança de Rainhas: Dança Afro e Deficiência, ministrada por Josy Brasil e Graziela Santos, promovida pela ACCS Acessibilidade em Trânsito Poético que coordeno junto com as professoras Cecilia Bastos e Maria Beatriz (Bia).
Então, para mim, foi maravilhoso ver Marilza - verdadeira Rainha - durante toda a oficina, dançar fora do eixo bípede, experimentando possibilidades ajoelhada, sentada ou deitada, se deslocando pelo espaço, investigando o tempo musical na relação com os movimentos da Dança Afro nessas posições, tensionando questões de sua própria metodologia, provocando mudanças no seu próprio trabalho (como já havia vivenciado com ela em Araraquara e Pará quando viajamos, juntos, a trabalho) e na compreensão de técnica que não deveria ser algo rígido, datado, estático… realmente é transformador.
É um privilégio ser seu contemporâneo e ver uma profissional com a experiência de Marilza se permitir renovar, encontrar novas maneiras, surpreender. Nos ensinar com a grandeza daquelas raras Mestras que encontramos na vida. Axé, minha irmã!
#pracegover Descrição da imagem: Marilza de torço vermelho e vestido branco, experimentando movimentos da Dança Afro ajoelhada, ao lado de uma mulher em pé e um cadeirante de costas que também pesquisam os movimentos. Ao fundo, um homem de camisa branca e calça jeans ajoelhado na frente da cortina branca do espaço.


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